HOMENAGEM A UM PROFESSOR DESCONHECIDO

 

Aguimon Alves, 17/10/2023


Um professor ausente nos cursos de licenciaturas, mas seu método de alfabetização é amplamente conhecido

Como todos sabem, 15 de outubro é o dia do professor. Além de reconhecer o trabalho de milhares de professores anônimos deste país, gostaria de homenagear um professor cujo trabalho é desconhecido por 99% dos docentes. Trata-se do professor Frank Charles Laubach (1884-1970).

O trabalho de inúmeros personagens ligados à educação tem sido estudado e comentado nas faculdades de licenciaturas. Alguns desses personagens são exaustivamente ovacionados em inúmeras instituições de ensino que os devotos parecem se comportarem como se estivessem em transe. 

A Revista Nova Escola na edição especial denominada Grandes Pensadores de nº 19 do ano de 2008, publicou matéria com o seguinte título: "41 educadores que fizeram história, da Grécia Antiga aos dias de hoje", sintetizando o pensamento de cada um deles. Repetiu todos eles em agosto de 2015 na versão digital.

Para contextualização do leitor, cito apenas alguns deles em ordem cronológica de nascimento. A Revista inicia com a Grécia Antiga (Platão e Aristóteles) e salta para Santo Agostinho (354-430), Tomás de Aquino (1224/5-1274), Comênio (1592-1670), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Augusto Comte (1798-1857), Karl Marx (1818-1883), Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), Émile Durkheim (1858-1917), Maria Montessori (1870-1952), Antonio Gramsci (1891-1937), Lev Vygotsky (1896-1934), até chegar aos mais recentes, tais como Célestin Freinet (1896-1966), Jean Piaget (1896-1980), Anísio Teixeira (1900-1971), Carl Rogers (1902-1987), Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), Hannah Arendt (1906-1975), Florestan Fernandes (1920-1995), Paulo Freire (1921-1997), Michel Foucault (1926-1984), Pierre Bourdieu (1930-2002) e Emília Ferreiro (1937-2023). Para não perder essas referências históricas da Revista, aproveitei a disponibilidade e fiz download de todos eles.

Frank Laubach não aparece na relação de grandes educadores. Tudo indica que ele foi selecionado propositadamente para não frequentar os cursos de licenciaturas e tampouco a literatura pedagógica popularizada na sala de aula. Por que será? Qual foi o pecado cometido por este professor para ele não ser mencionado como um importante educador?  Deixo esta resposta para o leitor após o término da leitura.

Afinal, quem foi Laubach? Frank Charles Laubach nasceu em 1884 no Estado da Pensylvania (Estados Unidos). Doutorou-se em Sociologia no ano de 1909 pela Universidade de Princeton, localizada na cidade de Princeton que fica no Estado de Nova Jersey. Em 1915 formou-se em Psicologia pela Universidade de Columbia, localizada na cidade de Nova York que fica no Estado de Nova York. Também obteve especialidades em Letras, Pedagogia e Teologia.

Para contextualizar o surgimento do trabalho do Professor Laubach, primeiramente vou começar com uma rápida visita ao passado numa época bem antes de nossas gerações.

           Em 1898 os Estados Unidos se envolveram numa guerra contra a Espanha, país detentor de várias colônias espalhadas pela América Central, África e Ásia. Quero focar na colônia espanhola das Filipinas (Ásia), um arquipélago com aproximadamente 7.000 ilhas que totaliza cerca de 300.000 km² e tem aproximadamente 115 milhões de habitantes (2022).  Esses dados são amplamente divulgados em vários sites e literaturas de natureza geográfica.

          Mas, o que isto tem a ver com o Professor Frank Laubach?

         Com a vitória dos Estados Unidos contra a Espanha, os americanos tomaram posse do território filipino. Neste contexto, Laubach foi enviado como missionário protestante para as Filipinas. Considerando que os 300 anos de colonização espanhola deixou um gigantesco legado de analfabetos, seu grande desafio era ensinar a Bíblia para uma população analfabeta que falava vários idiomas e a maioria não possuía escrita.

Salvo engano, mesmo após três séculos de presença da língua espanhola, isto não foi suficiente para se empreender algum programa de alfabetização. Nem mesmo os islâmicos, que já tinham presença antiga naquele país, liam o árabe, tarefa que só cabia aos sacerdotes.

Quero salientar que o meu foco não é religioso. Pretendo apenas focar no método de alfabetização de adultos que Laubach desenvolveu a partir de sua experiência nas Filipinas.

          Ao chegar em 1915 nas Filipinas, Laubach, com 31 anos de idade, deparou-se com muitos grupos étnicos que falavam vários idiomas, além de uma grande parcela de falantes do espanhol. Como disse, o analfabetismo era generalizado. Seria impossível ensinar a leitura de textos bíblicos sem antes alfabetizar. Com a ajuda de um professor nativo, inicialmente Laubach teve que estudar as linguagens de diversas etnias para depois criar uma escrita que atendesse aos vários grupos linguísticos. Primeiramente adaptou o alfabeto inglês para o árabe. Sucessivamente Laubach fez a mesma coisa com outras línguas.

Imagino o tempo que ele gastou para destrinchar, a princípio, cerca de 17 línguas. Na sequência começou a formular as cartilhas para, finalmente, começar a alfabetizar. Só depois deste árduo trabalho iniciado da estaca zero, Laubach poderia ensinar a Bíblia.

Considerando que atualmente as Filipinas é um país majoritariamente católico (terceira maior população católica do mundo), cerca de 80% da população, tudo indica que o missionário protestante não teve muito sucesso com sua intenção religiosa. Salvo engano de minha parte, ele dedicou mais tempo a destrinchar diversos idiomas de povos analfabetos e sem escrita para depois criar cartilhas de alfabetização e em seguida promover a alfabetização, do que propriamente ensinar valores cristãos.

O método de alfabetização de adultos que Laubach criou foi de um valor inestimável não só nas Filipinas, como também em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.

Em 1943 Laubach, já com 59 anos, esteve no Brasil a convite do diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos, Professor Lourenço Filho, um entusiasta da alfabetização de adultos. Permaneceu no Brasil por mais de dois meses apresentando seu método, conforme revelou a imprensa do Rio de Janeiro na época. 

O Jornal Gazeta de Notícias (RJ) publicou em 06/03/1943 na sua edição 55, página 2 uma reportagem com o seguinte título: “NOVO MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO – SEU EMPREGO, EM GRANDE ESCALA, NO NOSSO PAÍS”. A reportagem explica o método criado por Laubach. 

Calma leitor, mais adiante explicarei o método proposto por ele.

O Jornal do Brasil (RJ), com reportagem no dia seguinte, 07/03/1943, na sua edição 56, página 16, também registrou a visita de Laubach ao Brasil usando o mesmo título acima, retirando apenas as vírgulas e usando letras minúsculas.

Quatro anos após a visita de Laubach ao Brasil, o referido Jornal do Brasil exibe outra reportagem sobre sua visita em 1943 e dá mais detalhes acerca de seu método de alfabetização de adultos. Trata-se da edição 46, página 6 publicada em 26/02/1947 na Coluna “Educação e Ensino”. Mais adiante reproduzo trechos desta reportagem.

           Passaram 28 anos desde sua chegada nas Filipinas em 1915 até sua passagem pelo Brasil em 1943, ano em que seu método já era utilizado em mais de 125 idiomas, tendo alcançado enorme êxito na Ásia e África. Laubach pessoalmente preparou lições de seu método em mais de 70 idiomas diferentes.

         Laubach entendia que “o analfabeto não deixa de ser uma pessoa instruída pelo fato de não saber ler e escrever. Ele só não teve acesso ao conhecimento formal”. Daí a necessidade da alfabetização para mudar a consciência da pessoa a fim de integrá-la plenamente ao meio em que vive. (Soek, p. 21).

 

Each One Teach One – “Um Ensina ao Outro”

 

Mas, afinal, como funciona o método Laubach?

 

            Conforme já mencionado, Laubach teve ajuda de um professor filipino a fim de adaptar o alfabeto inglês para o alfabeto árabe, fazendo a mesma coisa com várias outras línguas. Na sequência usou o método de reconhecimento das palavras escritas por meio de gravuras de objetos comuns do cotidiano do aluno. A leitura era ensinada mostrando-se as palavras relacionadas às imagens. A primeira letra de cada palavra referente ao objeto era apresentada ao aluno para que ele a reconhecesse na apresentação de outros objetos do cotidiano. Conforme o aluno ia reconhecendo as letras ele as juntava para formar as palavras.

          A ideia de Laubach era de um ensino individual cuja proposta consistia no seguinte: quando um aluno aprendia a primeira lição, ele ensinava a outro analfabeto e assim sucessivamente. Era uma forma de multiplicar o número de alfabetizandos.

            A metodologia de Laubach para a Educação de Jovens e Adultos, trazia os seguintes princípios (Façanha, pp 73 e 74):        

a) todos são capazes de aprender, basta-lhes oportunidade e incentivo;

b) educação de jovens e adultos é construída de conhecimentos já existentes do alfabetizando e cabe ao alfabetizador ajudá-lo a construir novos conhecimentos a partir destes;

c) o alfabetizando tem interesse inicial por assuntos que façam parte de seu cotidiano, assim poderá estabelecer pontos entre o conhecido e o novo;

d) a motivação do alfabetizando tem que ser trabalhada constantemente; diante de algum erro as correções devem ser feitas no sentido de uma nova tentativa para o certo;

e) a importância de cada alfabetizador adaptar as matérias de apoio utilizado;

f) para a compreensão da linguagem escrita se faz necessário vincular à representação das palavras alguma significação, subsequentemente a uma apropriação da aquisição da leitura e escrita;

g) esforços de ambas as partes, em particular do alfabetizador, ao lidar com condições restritas para a execução da aprendizagem;

h) independentemente da idade, todos podem aprender; como seres inacabados que somos, conhecemos e reconstruímos esse conhecimento a todo instante.

O então Ministro da Educação Gustavo Capanema, por conta da visita de Laubach ao Brasil em 1943, deu instruções a Lourenço Filho (Diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos) para que se iniciasse “imediatamente experiências sobre o interessante método, devendo ser editados 10.000 exemplares do livro do ilustre pedagogo norte-americano”. O leitor poderá confirmar tudo nas reportagens dos jornais aqui citados que estão disponíveis em arquivo digital da Biblioteca Nacional.

Laubach permaneceu por mais de dois meses no Brasil ministrando cursos e palestras. Inclusive visitou o estado de Pernambuco onde apresentou seu método nas suas palestras. No ano em que Laubach visitou o Brasil (1943) Paulo Freire estava com 22 anos e e1947 Freire foi contratado pelo SESI (Serviço Social da Indústria) de Pernambuco para dirigir o Departamento de Educação e Cultura, momento que deu início aos trabalhos com a alfabetização de adultos.

O Jornal do Brasil, edição 46, página 6 publicada em 26/02/1947, traz uma reportagem intitulada “1º Congresso Nacional de Educação de Adultos”. Congresso realizado no auditório do Ministério da Educação, sob a presidência do Ministro Clemente Mariani e com a presença do Governador da cidade. Lembro ao leitor que o Rio de Janeiro era capital do Brasil nesta época.

O jornalista Jorge Serrão, em artigo publicado em 20/09/2021 (veja link nas referências), que menciona o historiador David Gueiros Vieira, disse no seu artigo que Paulo Freire se apropriou do método original de alfabetização do missionário protestante Frank Laubach. Freire incluiu no método a teoria marxista na narrativa dos oprimidos que “alfabetizaria” no Brasil. O referido jornalista fala que esta revelação está em um artigo escrito pelo historiador David Gueiros Vieira, publicado no site Mídia sem Máscara em 09/03/2004.

David Gueiros Vieira resume da seguinte forma:

“Não há dúvida que a luta contra o analfabetismo, em todo o mundo, encontrou seu instrumento mais efetivo no Método Laubach. Ainda que esse método hoje tenha sido encampado sob o nome do Sr. Paulo Freire. Os que assim procederam não apenas mudaram o seu nome, mas também o desvirtuaram, modificando inclusive sua orientação filosófica. Concluindo: o método de alfabetização de adultos, criado por Frank Laubach, em 1915, passou a ser chamado de “Método Paulo Freire”, em terras tupiniquins. De tal maneira foi bem-sucedido esse embuste que hoje será quase que impossível desfazê-lo”.

De fato, o poder da propaganda anticapitalista naquele contexto de Guerra Fria, sobretudo nas décadas de 1960 e 1970, transformou em propriedade de Paulo Freire um método eficiente de alfabetização criado por Laubach em 1915, portanto antes mesmo do nascimento do patrono da educação brasileira, título concedido acertadamente em 2012, já que retrata uma educação caótica.

São várias décadas de propaganda favorável ao marxismo e/ou socialismo que também enaltecia os personagens revolucionários que governava seus países com extremo rigor ditatorial. Propaganda realizada com grande sucesso nas universidades, escolas, meios jornalísticos e políticos. Dificilmente alguém do público docente ousará questionar uma autoridade construída às custas de uma eficiente máquina de propaganda que sinaliza para os pobres e oprimidos o advento de um paraíso tão logo o capitalismo seja eliminado.

Caro leitor, façamos um exercício de lógica. Naquelas distantes décadas de 1960 e 1970, auge da Guerra Fria protagonizada entre Estados Unidos e União Soviética (URSS), quem apresentasse obras com potencial para disseminar o marxismo e elogios aos sanguinários regimes socialistas e revolucionários da Rússia, China e Cuba, por exemplo, seria recebido com festejos pelos meios acadêmicos, sobretudo dos países capitalistas, acusados de cerceadores das liberdades. Irônico.

Se, além dos elogios acima citados, o escritor também adicionasse ácidas críticas a uma tal sociedade conservadora e ao cristianismo, corria grave risco de se tornar famoso, portanto, reconhecido positivamente por uma massa de jovens universitários revoltados contra qualquer coisa.

Receberia prêmios honorários de seus pares e seus livros e artigos seriam reproduzidos e distribuídos em larga escala para o público estudantil e demais interessados. Tornar-se-iam leitura obrigatória no mundo universitário por décadas. E ainda seriam traduzidos para várias línguas

O personagem, já famoso no mundo acadêmico, seria entrevistado pelos principais meios de comunicação e suas ideias se espalhariam como fogo em mato seco. Receberia convites para dar palestras em ambientes acadêmicos e associações de classes. E continuaria recebendo homenagens mesmo após a morte.

Quem ousasse contrapor-se à autoridade fabricada pela eficiente propaganda, de imediato receberia uma saraivada de pejorativos: retrógrado, neoliberal, fascista, negacionista e por aí vai. Não há pluralidade de ideias na maioria das instituições de ensino, domínio dos iluminados que apagam a luz do outro com xingamentos.  

Como se explica que ideias e regimes notoriamente totalitários tivessem tanta simpatia de pessoas com acesso ao conhecimento? A propaganda eficiente e exaustivamente repetida por décadas leva as pessoas a se embriagarem apenas bebendo água. 

Os livros do referido patrono da educação brasileira disseminam uma releitura do marxismo adaptado à sala de aula, cujo contexto apresenta o professor como um ser opressor e o aluno a parte oprimida. É notoriamente uma ideologia da luta de classes inoculada nas salas de aula de escolas e universidades. 

A luta de classes atualmente propagada não tem mais caráter econômico propriamente dito. Os marxistas perceberam que tal estratégia não deu certo, tendo em vista as constantes inovações do modo de produção capitalista. Invenções tais como do cinema, da pílula anticoncepcional, da televisão, da máquina de lavar roupas, do aspirador de pó, da geladeira, do fogão a gás, do micro-ondas, da air fryer etc., definitivamente só serviram para atrapalhar a revolução do proletariado. E para piorar, agora está sobrando tempo para entretenimento nas plataformas de filmes e séries. É muito conforto invadindo até mesmo a vida das famílias mais pobres. Não dá para competir.

 É por isso que agora as forças se concentram numa nova luta de classes: a luta pelas causas identitárias. E a dicotomia Opressor X Oprimido perfeitamente se encaixa em qualquer situação das complexas realidades humanas. Branco X negro, homem X mulher, hétero X homossexual, policial X bandido, pais X filhos, enfim, onde for possível explorar os conflitos, tudo se resumirá a opressor X oprimido. É uma espiral infinita.

 

Oposição ao método de Laubach

 

As cartilhas de Laubach com a explicação de seu método foram distribuídas no Brasil, mas ainda estavam na língua espanhola. Posteriormente elas foram traduzidas e várias instituições religiosas passaram a usar o método de Laubach, tendo sido criado, pela primeira vez, material didático específico para ensinar leitura e escrita ao público adulto por meio de um programa chamado Cruzada ABC (Ação Básica Cristã).

A primeira campanha para alfabetização de adultos da ABC, inspirada nos princípios do método Laubach, baseou-se num processo que contemplava desde a alfabetização intensiva, que durava três meses, depois ingressava no então curso primário que se dividia em dois períodos de sete meses, até chegar na etapa final, chamada de “ação em profundidade”, que era voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. (Façanha, p. 74).

        O método Laubach sofreu oposição da esquerda desde sua adoção no final da década de 1950 em Pernambuco. Questionou-se o programa da Cruzada ABC por praticar um ensino neutro sob o ponto de vista político, pois o método utilizado se concentrava nos sinais gráficos e sons correspondentes, marca registrada do referido método. (Façanha, p. 75).

Segundo Nogueira (p. 93) consta que o movimento estudantil considerou que o método de Laubach mantinha os analfabetos na “condição de oprimidos”, portanto, não deveria ser usado. Tal método ignorava a promoção da luta de classes.

Certamente o preconceito deveria ser por conta de se tratar de um método criado por um missionário cristão americano, portanto sem alinhamento com o marxismo.

Sem fazer juízo de valor quanto ao fato de o método de alfabetização ter sido criado por um missionário cristão, qual a religião predominante no Brasil? Obviamente que o povo, sobretudo daquela época (décadas de 1950 e 1960), professava o cristianismo, majoritariamente na sua vertente católica. Se o objetivo do método era usar elementos do cotidiano, qual o problema de se promover a alfabetização de adultos por meio de grupos cristãos (católicos ou protestantes) num país majoritariamente cristão? O que há de estranho nisto? Além do mais, católicos e protestantes (ou evangélicos) têm a mesma matriz religiosa e comungam dos mesmos valores.  

A despeito da oposição, é fato que em Pernambuco e na Paraíba a Cruzada ABC teve forte participação na alfabetização inclusive de adultos. Atuou em pequenas cidades, vilas, povoados e sítios, suprindo a falta de escolas naquela época. Nas cidades maiores (Campina Grande e João Pessoa) a Cruzada ABC concentrou-se mais na alfabetização de jovens e adultos.

Além da alfabetização, a referida Cruzada também se dedicava à escolarização mais avançada. O programa era dividido em quatro fases. Superada a 1ª fase com a alfabetização, as 2ª, 3ª e 4ª fases tinham por objetivo inserir o aluno no seu cotidiano sociopolítico, certamente não interessante nem para o coronelismo ainda presente sob o aspecto cultural e, tampouco, interessava para a esquerda que rejeitava um modelo de alfabetização que não estimulasse a luta de classes.

A grande verdade é que estruturas político-sociais arcaicas (coronelismo, por exemplo) poderiam ser substituídas por outras estruturas que só pretendem exercer o poder político de forma autoritária ou totalitária. Isto aconteceu na Rússia em 1917 quando a opressão dos czares foi apenas substituída, com muito mais rigor, pela opressão dos líderes revolucionários que se apresentavam como libertadores dos oprimidos. Também aconteceu em Cuba em 1959 quando Fidel Castro e o camarada Che Guevara substituiu a ditadura de Fulgêncio Batista por outra mais rigorosa. E assim por diante. 

Mas, voltando a Laubach, se a sua visita ao Brasil em 1943 foi noticiada por vários jornais da época, por que este professor não é lembrado? Seu esquecimento proposital seria uma forma de não atrapalhar a construção de ídolos? É impossível negar sua presença no Brasil. Basta uma rápida pesquisa nos jornais da época.

Para melhor compreensão do leitor, indico a leitura das reportagens aqui mencionadas, publicadas naquela distante década de 1940. Está tudo disponível em arquivos digitais da Biblioteca Nacional.

Mas para facilitar a vida do leitor reproduzo a seguir um trecho da reportagem do Jornal do Brasil datado de 26/02/1947, pág. 6 que retrata melhor o método Laubach.

 

Jornal do Brasil, 26/02/1947 – Coluna EDUCAÇÃO E ENSINO

 

        UM ENSINA AO OUTRO – Ao se anunciar a campanha pela alfabetização de adultos, o ilustre professor Lourenço Filho, Diretor do Departamento Nacional de Educação e principal responsável por essa iniciativa, declarou, como penhor do seu êxito, que dispunha do método incomparável do sr. Frank Laubach, um americano diplomado em sociologia e doutor em filosofia, que exerceu há tempos a função de pastor nas ilhas Bahamas. Laubach empenha-se em ensinar a ler a todos os analfabetos do mundo. Aqui esteve em 1943, em sua peregrinação e impressionou o sr. Gustavo Capanema, que deu instruções ao Diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos “para que se iniciem imediatamente experiências sobre esse interessante método (dizia então uma notícia da Interamericana), devendo ser editados dez mil exemplares do livro do ilustre pedagogo norte-americano”. Não se sabe o que aconteceu em seguida, nem consta que o projeto dessa edição tenha vingado. Mas agora o Diretor do Departamento, que era o mesmo Diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos, declara que Laubach lhe cedera os direitos de tradução e adaptação do seu método em língua portuguesa.

          Em resumo, dizia Laubach, nessa ocasião, que cento e vinte e cinco idiomas já haviam sofrido o influxo do seu processo. E a informação da agência citada acrescentava: “Em português consta ele de doze lições, cada uma das quais exige de 20 a 30 minutos de estudo. Dessa forma, o professor precisa dedicar umas seis horas de ensino real a seus alunos, pois o estudante poderá completar o resto por si mesmo”. Qualquer pessoa que saiba ler serve para professor e deve ensinar apenas um aluno de cada vez. (…).

           Há no método Laubach dois pontos essenciais: o didático, que combina estampas e palavras para inocular a faculdade de ler nos mais rudes analfabetos e o propriamente pedagógico, que confere a qualquer indivíduo, apenas alfabetizado, o encargo de inculcar aos outros o segredo de sua libertação. Este último, confessa Laubach a um repórter de Seleções, não foi invenção sua, mas lhe foi sugerido por um cacique analfabeto das Filipinas, que, contaminado pelo missionário, lhe oferecera esta receita infalível: “Todo aquele que já está alfabetizado terá que ensinar o outro que não esteja. E quem não fizer isto mando matar”. O nome deste truculento alfabetizador não ficou perpetuado na história, mas o seu método, logo endossado por Laubach, ficou conhecido pelo dístico: “Um ensina ao outro” e diz o repórter que “desde então se espalhou pelo mundo”. (…).

Como o leitor percebeu, neste último parágrafo, é possível deduzir melhor sobre o método Laubach. Há dois pontos essenciais: o didático e o pedagógico. O primeiro combina “estampas e palavras” para inocular a capacidade de ler. O segundo, significa que qualquer indivíduo apenas alfabetizado tem condições de alfabetizar outro. Ou seja, ensinar o segredo de sua libertação.

A ideia de combinar estampas e palavras consistia no uso de imagens e vocabulário do cotidiano do aluno. Partindo dos seus afazeres diários seria mais fácil usar o conhecimento prévio do adulto analfabeto para ensiná-lo a ler.

             O lema “Um ensina ao outro” é muito semelhante à expressão “os homens se educam entre si”. Se o leitor for um professor, certamente lembrará da famosa frase espalhada em quase todas as instituições de ensino:Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

            O uso de palavras geradoras apresentadas em cartazes ao lado da respectiva imagem relacionada à palavra, de fato, é um acelerador na alfabetização de adultos. Sendo essas palavras geradoras comuns do cotidiano dos trabalhadores analfabetos o processo de alfabetização do adulto torna-se muito mais eficiente.

O esquecimento de Frank Laubach é proposital. Ele não tinha origem no pensamento de matriz marxista, além de ser um missionário cristão. Sua produção literária jamais seria disseminada no Brasil, considerando que desde a década de 1950 e posteriores a hegemonia cultural do marxismo já havia avançado significativamente nos meios universitários, jornalísticos, artísticos e nas produções editoriais.

Os formadores de opinião tornaram-se agentes de propaganda do socialismo, embora vivessem (e continuam vivendo) confortavelmente sob a batuta do capitalismo. E nunca se exilaram em países governados pelos partidos comunistas que eles tanto admiram.

A alfabetização é um processo contínuo que não pode sofrer um intervalo. Bastam três ou cinco anos sem alfabetizar para formar uma geração de analfabetos. Igualmente bastam dois ou três anos de alfabetização deficiente para se formar gerações de analfabetos funcionais. Basta omitir a história sobre Laubach para os créditos de seu método ser atribuído a outro.

 

Referências

 

FAÇANHA, Sabrina Carla Mateus. Alfabetização de Jovens e Adultos no Estado da Paraíba: Registros Político-Pedagógico de Experiências da Década de 1960. Dissertação para obtenção do título de mestre em educação, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2013.

 

NOGUEIRA, Rafael. Apontamentos sobre a educação bancária: Um estudo sobre a originalidade, a aplicabilidade, a veracidade e a atualidade do conceito de educação bancária de Paulo Freire. In GIULLIANO, Thomas (Org.). Desconstruindo Paulo Freire. Porto Alegre: História Expressa, 2017.

 

SOEK, Ana Maria. Aspectos Contributivos do Manual do PNLA/2008 na Formação do Alfabetizador do Programa Brasil Alfabetizado. Dissertação para obtenção do título de mestre em educação, Universidade Federal. Curitiba, 2009.

 

Jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro de 6 de março de 1943, pág. 2, edição 055.

 

Jornal do Brasil de 07 de março de 1943, pág. 16, edição 056.

 

Jornal do Brasil de 26 de fevereiro de 1947, pág. 6, edição 046, “Educação e ensino”.

 

Revista Nova Escola – Edição Especial nº 19 – Grandes Pensadores. A história do pensamento pedagógico no Ocidente pela obra de seus expoentes. 41 pensadores. Edição impressa publicada em 2008 consolidando volumes I e II. Publicação repetida em agosto de 2015 na versão digital disponível para download. https://novaescola.org.br/revista-digital?tipo=nova-escola – Acesso em 16/10/2023.

 

https://jovempan.com.br/jorge-serrao/uma-deshomenagem-a-paulo-freire.html#:~:text=Poucos%20sabem%20que%20Paulo%20Freire,posteriormente%2C%20usado%20na%20Am%C3%A9rica%20Latina. – Acesso em 16/10/2023.

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