Aguimon Alves, 06/11/2020 – Atualizado em 06/01/2021
A primeira grande democracia
do mundo surgiu com a formação dos Estados Unidos da América (final do século
XVIII). Ali foram assentadas as bases de um governo eleito e periódico
controlado por um sistema de freios e contrapesos. Ou seja, um conjunto de parlamentares,
também periódicos e eleitos pelo povo, atuaria como freio a qualquer instinto
ditatorial do governante de plantão. Deu certo.
Entretanto, a ideia de democracia como primazia
das liberdades individuais estaria ameaçada sem que o senso comum tivesse tal
percepção? Em regra, os líderes da era moderna que lutaram contra as ditaduras
de seus respectivos países têm por hábito falar em “revolução” como a chave
para democracia. A história registra inúmeras revoluções que não guiaram o povo
rumo à democracia, mas sim na direção de outras tiranias piores do que as
anteriores.
Mas e aquelas nações que implantaram regimes
democráticos, de fato estão imunes às tiranias? Agora, nos tempos modernos,
seria possível tiranias sem a presença de força bélica? Façamos um rápido
passeio pela história, com destaque para a americana.
Em
1854 foi organizado no Estado de Wisconsin (Norte dos EUA) o partido Republicano
como um partido de oposição à expansão da escravatura em novos
territórios.
Abraham Lincoln migrou do Partido Whig (dissolvido
em 1856) e se candidatou em 1860 pelo Partido Republicano. O Sul escravocrata
dominado pelo Partido Democrata não apoiou Lincoln. Os sulistas ficaram
insatisfeitos com as posições abolicionistas de Lincoln (eleito em nov/1860) e
formaram uma Confederação com sete Estados escravistas do Sul: Geórgia,
Alabama, Texas, Lousiana, Mississipi, Carolina do Sul e Flórida.
Começa a Guerra de Secessão que vai de abril de
1861 a maio de 1865. No meio da Guerra, em 01/01/1863, Lincoln aboliu a
escravatura. Mas só em 1865 é que o Congresso Americano declarou extinta
oficialmente a escravidão nos EUA por meio da 13ª Emenda Constitucional. Mas alguns
Estados do Sul (Louisiana, Mississippi e Carolina do Sul) burlaram os direitos
dos ex-escravos e este problema se arrastou até os anos de 1960.
O Partido Democrata foi criado em 1828, cujas
origens remontam ao partido Democrata-Republicano fundado em 1791. Nada a ver
com o Partido Republicano criado em 1854, conforme dito acima. Os Democratas
reinaram de forma absoluta ao longo do regime escravocrata americano até à
criação do Partido Republicano em 1854. Somente a partir de 1930 é que o
Partido Democrata começa a defender bandeiras enquadradas num guarda-chuva
denominado “causas sociais”, pois percebeu nessas bandeiras importantes
instrumentos para a conquista do poder. É óbvio que evoluir positivamente
ao longo do tempo é sinal de virtude para qualquer instituição ou pessoa.
Entretanto, quando a política partidária é invadida
pelas pautas do pensamento de intelectuais orgânicos (também denominados de progressistas)
que criam toda espécie de teorias sociais, sempre associando infortúnios de uns ao progresso de outros, certamente que estamos diante de uma guerra
cultural com o objetivo de depreciar qualquer presença do chamado pensamento
conservador no poder político. Ser a favor de tudo que agrada à juventude
rebelde tornou-se um ativo político importante e facilmente conquistável. Quem
se opõe torna-se objeto de depreciação e das repetições pejorativas das
palavras-gatilhos e os conservadores acabam sendo alvo da falácia da
generalização. Basta que um extremista se manifeste para que toda a classe seja
insultada.
A política partidária atual é pautada por teorias
acadêmicas que soam agradáveis aos ouvidos da juventude rebelde. A partir deste
século XXI acelerou-se a onda de teorias produzidas pelos intelectuais
orgânicos que parecem experimentos sociais combinados com o uso da psicologia.
E o sucesso desses experimentos depende da alteração dos currículos escolares.
“A ideia de que o currículo deva ser alterado de acordo com qualquer propósito
partidário é uma perversão do ideal da universidade. O objetivo de converter o
currículo em um instrumento de transformação social (de esquerda, direita, de
centro ou o que seja) é o exato oposto do ensino superior”. (John Searle, The
New York Review of Books – 1991).
A tal guerra do proletariado nas fábricas de
outrora não prosperou, mas agora a guerra cultural ganha protagonismo nas salas
de aulas das universidades povoadas por jovens que ambicionam mudar o mundo,
antes mesmo de mudarem suas próprias vidas. Dependem dos pais ou do Estado para
sobreviverem. Criticam as gerações anteriores, embora usufruam dos frutos por
estas produzidos lentamente sem precisarem culpar os outros por seus
infortúnios.
Acho que já chegamos na fase em que as causas são
selecionadas apenas quando servem de instrumentos para se chegar ao poder e os
jovens é o vetor dessas causas.
O aceleramento do ativismo exacerbado em todas as
searas seria uma nova forma de revolução? Causas notoriamente nobres seria uma
forma de esconder conteúdos alucinógenos por detrás dos rótulos?
A corrosão do tecido social é o primeiro passo para
o esfacelamento de uma democracia. É por isso que já estamos assistindo há
algum tempo cenas de “zumbilândia” principalmente dentro da orgulhosa
democracia americana. Acho que o cinema americano produz tantos filmes de
zumbis como forma de preparar a aceitação da deterioração do tecido social até
aos limites insuportáveis do caos.
Corrosão do tecido social é o primeiro passo para o
totalitarismo. O que justificaria um regime totalitário sem a existência
prévia de um caos? Estaria em gestação um novo tipo de totalitarismo sem o
uso de armas?
A Revolução Francesa (1789), que prometeu libertar
os pobres com o enforcamento dos inimigos, não só eliminou companheiros de luta, como também produziu o ditador Napoleão Bonaparte que
aterrorizou a Europa.
A Revolução Socialista (1917), que prometeu
libertar os pobres contra os inimigos capitalistas, criou um longo regime
totalitário que aniquilou os adversários políticos nos campos de concentrações
da Sibéria (os Gulags). Nem os amigos que lutaram na referida Revolução foram
poupados.
O Partido Nazista (1933) que assumiu uma Alemanha
caótica prometeu prosperidade para todos e a criação de uma “raça pura”. Hitler
gerou a 2ª Guerra Mundial com a invasão de vários países e aniquilou milhões de
judeus entre outros eleitos como inimigos.
O Partido Comunista Chinês (1949) prometeu libertar
o povo da opressão dos imperialistas capitalistas do Ocidente. Produziu uma
catástrofe devastadora no período de 1958-1962 com a morte por fome de pelo
menos 45 milhões de pessoas, segundo Frank Dikötter, historiador nascido na
Holanda, pioneiro no uso de fontes de arquivo chinês e professor de Humanidades
na Universidade Hong kong. Ironicamente, o partido comunista chinês que lutou
contra o capital imperialista trocou de roupa e agora usa as mesmas armas do
capitalismo para criar riquezas e promete dar segurança alimentar para a
gigantesca população da China.
Os revolucionários Fidel Castro e Che Guevara
(1959) resolveram libertar Cuba do ditador Fulgêncio Batista e expulsar a economia
de mercado dos imperialistas americanos. Cuba hoje vive num eterno túnel do
tempo em um cenário que parece estar circulando só carros de colecionadores dos
anos de 1950.
O militar de carreira Hugo Chávez foi eleito em
1998 com a promessa de acabar com a desigualdade social na Venezuela. Morreu em
2013, mas deixou sucessor, o sindicalista Nicolás Maduro. Parece que o
socialismo do século XXI, criação de Hugo Chávez, foi bem sucedido: todos são
iguais na Venezuela pela régua da pobreza e da miséria. Menos a classe dos
militares que sustenta o chavismo.
E as revoluções atuais? Não são feitas com as armas
convencionais. Nas democracias elas são silenciosas e imperceptíveis para a
maioria, pois começam lentamente com as alterações nos currículos escolares.
Quando todos se derem conta estarão saindo às ruas implorando por um governo
gigante para colocar fim ao caos. Milhões aceitarão trocar liberdade por comida
e alucinógenos. A quem interessa criar uma população de zumbis que saem às ruas
achando que estão lutando contra os inimigos da democracia?
Enquanto o Ocidente estiver convulsionando com
políticos defendendo determinadas teses sociais como plataforma eleitoral, do
lado oposto deste mundo ocidental surgirão as tecnologias que dominarão o
planeta às custas de uma sociedade mergulhada em alucinógenos. E tudo já
começou com a relativização do ensino disfarçado de pensamento crítico, gerador
de um novo homem sem responsabilidades e obrigações que atribui ao outro a
causa de seu fracasso.
Do ponto de vista
histórico, não estamos distantes de uma gigantesca zumbilândia. Multidões de
dependentes químicos, cenas de aglomerações gritando palavras-gatilhos e
quebrando equipamentos públicos, políticos e chefes de Estados importantes que
ficam calados ao serem repreendidos por crianças-marionetes, sem dúvida, são os
sinais de que algo muito errado está acontecendo nas democracias do Ocidente.
Para não serem criticados pelas mídias e pelos sábios “intelectuais”, os
adultos com poderes de decisões rendem-se a papéis ridículos que beiram à
infantilidade.
Quando uma sociedade começa a perder o controle dos
freios e contrapesos, também começam os riscos à liberdade de pensamento.
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