PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - Demissão e Exoneração de Servidor Público



Aguimon Alves, 22/09/2020

SUMÁRIO 

INTRODUÇÃO

1. SERVIDORES PÚBLICOS E ESTABILIDADE

2. O QUE SÃO COMISSÕES DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES E COMO FUNCIONAM?

3. DEMISSÃO EM VIRTUDE DE SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO (ART. 41, § 1º, I, CF)

4. DEMISSÃO MEDIANTE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD (ART. 41, § 1º, II, CF)

5. O PASSO A PASSO DE UM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD

5.1 – Da Sindicância – Fase preparatório do PAD

5.2 – Fases do Processo Administrativo Disciplinar – PAD

Instauração

Instrução

Indiciação

Defesa

Relatório consultivo e parecer opinativo

Julgamento

6. SERVIDOR PROCESSADO EM PAD PRECISA, NECESSARIAMENTE, SER REPRESENTADO POR ADVOGADO?

7. QUAL O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PUNIR O SERVIDOR QUE COMETE ILÍCITO ADMINISTRATIVO OU PENAL?

8. PRESCRIÇÃO DO ILÍCITO ADMINISTRATIVO QUE TAMBÉM É UM ILÍCITO PENAL

9. ACUMULAÇÃO ILÍCITA DE CARGO PÚBLICO OU EMPREGO PÚBLICO, INASSIDUIDADE E ABANDONO DE CARGO OU EMPREGO PÚBLICO

9.1 – Acumulação ilícita de cargo público

9.2 – Inassiduidade

9.3 – Abandono de cargo público ou emprego público


10. RECURSO, RECONSIDERAÇÃO E REVISÃO

11. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO ESTÁVEL

12. EXONERAÇÃO E DESTITUIÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS

13. CONCLUSÃO

Bibliografia

 

 Introdução

Servidor público estável pode ser demitido?

Sim. Sempre foi possível a demissão de servidor público estável. A Constituição Brasileira prevê as situações:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.     

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:         

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;    

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;       

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. 

O que escrevo a seguir tem como foco o tema “demissão de servidor público estável por meio de Processo Administrativo Disciplinar” (art. 41, § 1º, II da CF). Tomei como base para escrever este artigo o aprendizado que obtive quando trabalhei nos anos de 1990 na Assessoria Jurídica da Superintendência de Processo Administrativo Disciplinar, na época órgão vinculado à Secretaria de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro. Naquela época a referida Superintendência era composta por 18 Comissões Processantes. 

A Rotina de uma Comissão de Processo Administrativo Disciplinar é apurar ilícitos administrativos. Conforme o resultado e a gravidade das condutas ilícitas, o servidor pode ser demitido, suspenso, advertido, ter aposentadoria cassada, dentre outras penalidades conforme o estatuto do servidor do ente federativo (Município, Estado, DF e União). Pode acontecer também de o processo ser arquivado caso se conclua que não houve prática de ilícito. Pode ocorrer, ainda, o simples arquivamento caso não tenha sido encontrado o autor do ilícito. 

As mudanças por conta de reformas administrativas futuras não prejudicarão as informações deste artigo. Talvez poucos ajustes se façam necessários posteriormente. O que pretendo expor é a dinâmica do processo administrativo disciplinar. “Punição de Servidor Público” sempre será assunto pertinente aos recursos humanos da Administração Pública. 

Além do foco em epígrafe, exponho alguns assuntos pertinentes ao serviço público em geral.

1. Servidores Públicos e Estabilidade

Há duas categorias de servidores públicos: servidores públicos estáveis que ingressam no cargo público após passarem em concurso público, serem nomeados e cumprirem estágio probatório de três anos. E há os servidores públicos de livre nomeação e exoneração, que são os ocupantes de cargos em comissão, também chamados de cargos de confiança. Sobre esta última categoria vou deixar a explicação para o final deste artigo.

Os servidores públicos estatutários são regidos por um estatuto (lei específica) e têm estabilidade nos cargos que ocupam. Mas qual a razão para esta estabilidade?

Primeiramente, a estabilidade é a garantia da continuidade do serviço público. Em segundo lugar, a estabilidade garante ao servidor autonomia no trabalho, que deve guiar-se exclusivamente conforme a lei. Entendo esta razão como a mais importante e imprescindível ao bom funcionamento da prestação de serviços à coletividade.

Imagine se não houvesse estabilidade e a cada governante fosse possível trocar parte ou todo o funcionalismo público! Seria altamente prejudicial para a população a descontinuidade periódica do serviço público. Além disto, a Administração Pública seria transformada num “balcão de empregos” no pior sentido. Sempre que mudasse o prefeito, o governador e o presidente, começaria uma cruzada de demissões em massa e ato contínuo admissão também em massa. Profissionais ambientados e experientes com a rotina que movimenta a máquina administrativa estariam constantemente sujeitos a serem substituídos por correligionários do novo gestor.

Imaginar a hipótese do parágrafo anterior em dias atuais seria de pouca inteligência e de grande desgaste político, ainda que só uma pequena parte de servidores sofresse ameaças de ser substituída. Se tal hipótese fosse possível, cada político que assumisse a chefia do executivo criaria um novo “curral de servidores”. Se por um lado existem políticos arbitrários que não se conformam em ter eleitores de adversários em seus quadros de servidores, por outro lado, há servidores que usam a estabilidade no serviço público para fazerem apostolado partidário contra o governo de ocasião por conta de suas simpatias partidárias.

O objetivo da estabilidade é dar autonomia no trabalho blindando o servidor de ser coagido por superior hierárquico a proceder contrário à lei, ou até para atender pedidos escusos de políticos que desejam algum benefício para si ou para outrem. Convém frisar que, no âmbito do serviço público, todo ato praticado depende de autorização em lei. Se a lei não prevê, ainda que a priori o ato não seja reprovável, então, o ato não pode ser praticado. Já na iniciativa privada, tudo pode ser praticado, desde que a lei não proíba.

Suponhamos que o diretor de uma repartição pública ordene a um subordinado que ele protele o andamento de um processo administrativo disciplinar, pois pretende beneficiar um colega deixando a prescrição extinguir a punibilidade. O subordinado não tem a obrigação de atender este pedido. Ele pode desobedecer ao próprio chefe se a ordem for contrária às previsões legais. Sem a estabilidade o subordinado certamente seria demitido por não acatar uma ordem ilegal.

Em outro exemplo, suponhamos também que os servidores de uma determinada instituição de ensino sejam “sugestionados” pelo diretor a fazerem propaganda para o seu candidato preferido ao cargo de prefeito. Os servidores podem e devem recusar tal sugestão sem temer desagradar o diretor e correr o risco de compor uma lista de demissão. Fazer propaganda política dentro de órgão público é ilegal e a lei prevê punição ao infrator.

A estabilidade também se presta a diminuir a rotatividade e a atrair melhores quadros de trabalhadores, além de servir de compensação na falta de FGTS, benefício previsto na legislação trabalhista da iniciativa privada. Entretanto, só estabilidade não é suficiente para atrair bons profissionais. Remunerações pífias acabam gerando rotatividade e desídia em vários setores do serviço público.

Os servidores públicos ingressam em cargo público da administração direta e indireta ou nas empresas públicas e de economia mista dos três poderes e de qualquer unidade federativa (municipal, estadual ou federal) por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II da CF). Eles são regidos por um estatuto do servidor, a lei que rege a relação dos servidores públicos com a Administração Pública de qualquer esfera de poder.  

A referida norma constitucional também exige concurso público para os ocupantes de empregos públicos. As empresas públicas, como Caixa Econômica Federal, Casa da Moeda etc., são pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, é a CLT que rege os recursos humanos nessas empresas, embora elas estejam atreladas ao governo federal. A mesma lógica vale para as empresas públicas estaduais e municipais.

Apesar de a relação empregatícia ser nos mesmos moldes da que ocorre numa empresa privada, quem trabalha numa empresa pública também é considerado um servidor público, portanto, possui estabilidade conforme se vê no art. 3º e respectivos incisos da Lei 9.962/2000 que estabelece um rol de quesitos para rescisão do contrato de trabalho por ato unilateral da Administração Pública Federal.

Art. 3º. O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:

I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;

II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

Ainda que haja a previsibilidade de redução do quadro de pessoal por excesso de despesa, não seria o caso de descaracterizar a estabilidade.

Entretanto, rigorosamente falando, não há que se falar em estabilidade absoluta no serviço público nem mesmo do servidor estatutário cuja relação se dá com a Administração Pública direta (Município, Estado e União), autárquica (INSS, por exemplo) ou fundacional (FIOCRUZ, por exemplo) ou nos outros poderes (Judiciário e Legislativo). Os regimes jurídicos que regem os recursos humanos ocupantes de cargos públicos da Administração em geral também preveem inúmeras situações em que o servidor pode ser desligado do serviço público, conforme se vê no artigo 41 da Constituição Brasileira.

De todo modo, quando se fala em estabilidade no serviço público, o objetivo é chamar atenção para as limitações constitucionais e legais impostas quanto ao desligamento do servidor público, que depende de um complexo processo administrativo disciplinar que tramita em órgãos públicos em regra denominados “Comissões de Processos Administrativos Disciplinares”, criados especialmente para lidar com os recursos humanos da Administração Pública. São órgãos que a maioria dos servidores públicos desconhecem.

Embora tenha trabalhado em assessoria jurídica das Comissões de Processos Administrativos Disciplinares no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, usarei como base, sempre que necessária, a Lei Federal 8.112 de 11/12/1990 que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. A minha escolha não afetará a compreensão do funcionamento dos outros estatutos, pois todos eles guardam similares de procedimentos, infrações e penalidades. A única motivação de escolher o Estatuto do Servidor Público Federal, deve-se ao fato de se tratar da lei que regula o maior quantitativo de servidores públicos do país.  

Por fim, o assunto “Processo Administrativo Disciplinar”, representa apenas uma seção dos estatutos dos servidores públicos, a parte que prevê penalidades ao servidor no caso de o mesmo cometer ilícito administrativo ou penal.

2. O que são Comissões de Processos Administrativos Disciplinares e como funcionam?

Todas as Unidades da Federação (Municípios, Estados, DF e União) têm órgãos disciplinares que tratam das infrações praticadas por servidores públicos estáveis, aplicando-lhes penalidades que vão da advertência até à demissão do serviço público. Por esses órgãos tramitam o Processo Administrativo Disciplinar conhecido pela sigla PAD, que passarei a utilizar daqui em diante.

Usei também no subtítulo a nomenclatura “Comissões de Processos Administrativos Disciplinares”, mas de agora em diante passo a usar a expressão “Comissão Processante”. Pode ocorrer de o leitor se deparar com outras nomenclaturas de órgãos que fazem a mesma coisa. Apenas para se ter uma ideia da complexidade da Administração Pública, estamos falando de 5.570 municípios, 27 Unidades da Federação (26 Estados e um DF) e mais a União, que é gigantesca. Cada um desses entes federativos, incluindo a União, obviamente, têm seus próprios estatutos do servidor, ou seja, suas respectivas leis que regem seus recursos humanos.

De todo modo, tenho uma boa notícia para quem pretende atuar nesta área: grosso modo, os estatutos de servidores públicos traçam as mesmas diretrizes, tipos de infrações e penalidades, conforme já adiantei na introdução. E não é tão incomum que um Município ou Estado tome como base outros estatutos na hora de legislar sobre o seu. Mas cada qual abriga peculiaridades que merecem atenção redobrada na hora de uma defesa.

Uma Comissão Processante é composta por três servidores: um presidente e dois vogais, ou qualquer outra nomenclatura adotada pela legislação própria. Todos devem ter formação jurídica. O trabalho da Comissão Processante é concluído com a apresentação de um relatório que conterá o resumo dos fatos, a indicação da autoria, as normas infringidas e a sugestão de penalidade. Ou pode também a Comissão Processante sugerir o arquivamento pelos seguintes motivos: ausência de provas que apontem a autoria do ilícito, impossibilidade de determinar a autoria a despeito de existirem provas de um ilícito, extinção da punibilidade pela prescrição ou perda do objeto decorrente do óbito do servidor investigado ou acusado.

3. Demissão em virtude de sentença judicial transitada em julgado (art. 41, § 1º, I, CF)

Nesta primeira hipótese de demissão de servidor contemplada pela Constituição Brasileira, nada impede que haja um processo administrativo disciplinar paralelo. Imagine que um servidor lotado numa escola pública venha subtraindo bens alocados na referida instituição. Por exemplo, costumeiramente levava para casa resmas de papéis e alimentos não perecíveis, desfalcando a secretaria e a merenda escolar. Com acesso livre a todas as dependências da escola, praticava os furtos pelo menos a cada dez dias na intenção de diluir o desaparecimento dos bens e não ser descoberto. Trata-se do crime de peculato previsto no § 1º do artigo 312 do Código Penal, cuja pena de reclusão é de dois a doze anos.

Ocorre que, a diretora da escola, pessoa zelosa com a coisa pública, já andava desconfiada da prática de delitos contra a Administração Pública. Instalou câmeras e conseguiu identificar o sujeito ativo. A diretora tem o dever de registrar o caso na delegacia policial e, de imediato, comunicar o fato aos seus superiores hierárquicos para procederem a abertura de Processo Administrativo Disciplinar. Se a diretora ignorar tais procedimentos previstos em lei, achando que pode “abafar” o caso, motivada por pena ou por uma relação de amizade, então retiro o qualificativo “pessoa zelosa” para informar que a diretora também praticou crime e estará sujeita tanto a um Processo Administrativo Disciplinar quanto a um inquérito criminal e posterior ação penal.

Na hipótese de o servidor do exemplo acima ser condenado mesmo que seja a pena mínima de dois anos, os efeitos da condenação se refletirão na perda do cargo, conforme prevê o Código Penal no artigo 92:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:      

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:  

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.

Mas caso o servidor seja condenado à pena privativa de liberdade por quatro anos ou mais, por conta de um crime que não tenha relação alguma com o seu cargo, também os efeitos desta condenação é a perda do cargo, art. 92, I, b:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:  

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:       

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. 

Quando é imputado crime ao servidor sem que haja correlação com uma descrição infracional no âmbito do estatuto, é prudente que a Comissão Processante aguarde a decisão na esfera penal, deixando o Processo Administrativo Disciplinar sobrestado. A Comissão Processante deverá ser cautelosa para não se antecipar e demitir um servidor por ser acusado de ter praticado um roubo ou furto, por exemplo, e depois o demitido ser absolvido. Cometendo este erro, a Administração Pública terá que lhe dar reintegração no cargo com ressarcimento de todas as vantagens. Além disto, o servidor ainda poderá processar o Poder Público e pedir reparação por danos morais.

No âmbito do respectivo Processo Administrativo Disciplinar deve ser analisado se a demissão como penalidade dependerá ou não do resultado da ação penal. Pode acontecer de haver uma independência entre as esferas de poder, ou seja, ainda que o resultado na esfera criminal seja pela absolvição, elementos probatórios podem autorizar uma penalidade no âmbito administrativo.

Mas se o ilícito administrativo tem correspondente na lei penal, os processos correm autonomamente e o servidor pode receber a penalidade de demissão na esfera administrativa sem precisar ser condenado na esfera penal. Neste caso, a sentença penal absolutória não interfere no desfecho do Processo Administrativo Disciplinar caso o seu fundamento seja: insuficiência ou deficiência de provas para a condenação criminal ou não constituir o fato infração penal. A conduta do servidor pode não ser suficiente para uma condenação criminal, mas pode ser para uma penalidade administrativa.  

4. Demissão mediante Processo Administrativo Disciplinar – PAD (art. 41, § 1º, II, CF)

O Processo Administrativo Disciplinar – PAD é o instrumento usado para apurações de irregularidades administrativas e onde o servidor tem oportunidade para se defender.

A penalidade máxima para um servidor público é a demissão. Conforme o caso, poderá vir com o complemento “a bem do serviço”. E a consequência para quem é demitido está prevista no art. 137 e seu parágrafo único, da Lei 8.112/1990. Há determinadas infrações administrativas que impedem nova investidura do servidor em cargo público federal pelo prazo de cinco anos. Veja a seguir:

Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Veja o que diz artigo acima e respectivos incisos:

Art. 117.  Ao servidor é proibido: 

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro;

       A consequência mais grave está no parágrafo único do artigo 137 (Lei 8.112/1990), que aponta ilícitos administrativos que impedem retorno a cargo público federal, veja a seguir:

Art. 37…............………………………….………….………………………         Parágrafo único: Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.

Veja o que diz o artigo acima e respectivos incisos:

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

IV - improbidade administrativa;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI – corrupção.

Nada impede que este rol possa aumentar e que outros estatutos possam determinar maiores restrições contra quem é demitido do serviço, impedindo o seu retorno por meio de outro concurso.

Sobre o inciso IV do artigo anterior, ressalto que a Lei 8.429 de 02/06/1992, trata especificamente dos atos de improbidade administrativa, determinando sanções penais, civis e administrativas para o servidor envolvido. Assim, além de os estatutos dos servidores públicos em geral elencarem um rol de ilícitos administrativos, a referida lei enumera também um rol de atos ilícitos cometidos contra a Administração Pública denominados genericamente de improbidade administrativa.

Convém ressaltar que a prática de ilícitos administrativos pode atingir terceiros alheios à Administração Pública. Por exemplo, se um fiscal, um médico ou qualquer outro servidor que lida com o público, no exercício de suas atribuições causa danos a terceiros, o ente administrativo pode ser alvo de um processo na esfera cível, cujo autor pedirá reparação por danos materiais ou morais. A decisão transitada em julgado que condenar a Fazenda Pública a indenizar o prejudicado será usada para que a própria Fazenda ingresse com ação regressiva contra o servidor que causou o dano.

Neste caso, a conduta do servidor causador do dano, por si só vislumbra uma infração administrativa que, conforme a gravidade apurada em PAD, poderá resultar numa pena de demissão.          

Como disse anteriormente, estou tomando como base a Lei Federal 8.112 de 1990, cujos artigos 143 a 182 tratam do PAD. A referida Lei é o estatuto que rege os servidores públicos federais. Mas todos os outros estatutos, estaduais e municipais, grosso mesmo, seguem as mesmas diretrizes.

A tramitação de um PAD assemelha-se a um processo judicial quanto ao princípio do devido processo legal. Trata-se do poder executivo exercendo função atípica de julgar, pois a natureza de sua atuação decidindo sobre penalidades individuais, mediante apreciação de depoimentos e provas, de fato é um julgamento. Da mesma forma, o poder legislativo também precisa administrar seus servidores e ao aplicar penalidades ele atua como julgador. E o poder judiciário, estaria atuando de forma atípica quando movimenta um PAD? Entendo que sim. Pois sua função típica não é a apuração de ilícitos administrativos de seus servidores. Quando age desta forma ele assume o papel de administrador (poder executivo). Defendo esta tese porque uma demissão por meio de PAD, ainda que de um servidor público do judiciário, pode ser revista judicialmente quando o poder judiciário estiver exercendo sua função típica.

Desta forma, vimos que o PAD é um processo comum aos três poderes, mas não se restringe só a eles, também se aplica aos Ministérios Públicos e Defensorias Públicas (União e Estados), Advocacia da União etc. Onde existirem servidores públicos, todos estarão sujeitos a um PAD se cometerem ilícitos administrativos ou penais. Dado o quantitativo enorme de servidores públicos no âmbito dos poderes executivos municipais, estaduais e federal, é neste Poder Executivo que se concentram os olhares quando se fala em PAD.

O autor de um PAD é a Administração Pública, que tem um prazo definido em lei para apurar infrações cometidas por seus servidores. Sobre prescrições e prazos para se apurar as infrações, o artigo 142, incisos I a III e §§ 1º ao 4º da Lei 8112/1990 tratam deste assunto. São cinco anos para as infrações puníveis com pena de demissão. Dois anos quanto à pena de suspensão e 180 dias quando a pena for de advertência. Além deste prazo, a Administração Pública não pode aplicar nenhuma penalidade, pois ocorre o fenômeno da prescrição que extingue a punibilidade. Segundo o estatuto federal, art. 142, § 1º, esses prazos começam a contar da data em que o fato se tornou conhecido. Se a infração disciplinar estiver também capitulada como crime, então aplica-se os prazos prescricionais previstos na lei penal.

Já no estatuto do servidor público do Estado do Rio de Janeiro (Decreto 2479 de 1979), art. 303, § 2º diz que a prescrição começa a correr a partir da data do evento punível disciplinarmente, ou do seu conhecimento. Significa dizer que, se for possível determinar a data do ilícito, então a partir daí começa a contagem da prescrição. Se não for possível, a contagem será a partir do conhecimento do fato. Numa interpretação pró-servidor é melhor que a prescrição seja contada a partir da data do evento, ainda que o estatuto em análise não traga esta previsão.

Ainda com referência ao Decreto 2479/1979, há apenas dois prazos prescricionais: dois anos para ilícitos sujeitas às penas de advertência, repreensão, multa ou suspensão; e cinco anos para ilícitos sujeitos às penas de demissão ou destituição de função, à cassação da aposentadoria, jubilação ou disponibilidade. 

Atenção: os estatutos anteriores a Constituição Brasileira de 1988 devem ser analisadas com cuidado, pois podem conter normas não recepcionadas pela Carta Magna.

Caso a Administração Pública não consiga apurar uma infração dentro do prazo estabelecido, o que ela pode fazer contra o servidor infrator? Nada pode ser feito ainda que surjam provas robustas. Suponhamos que no dia 10/07/2015 um servidor tenha praticado um ilícito administrativo passível de pena de demissão. Um mês depois 10/08, o chefe deste servidor soube do fato e tomou providências. Serão contados cinco anos a partir da ocorrência do fato ou do conhecimento do ilícito, conforme o estatuto, para que a Administração puna o servidor. Se até o dia 10/08/2020 a Administração não conseguiu publicar a demissão em diário oficial, extingue-se a punibilidade. Resta apenas o arquivamento sem aplicação de penalidade. A fundamentação jurídica para o arquivamento é a prescrição. E nada mais.

5. O Passo  a Passo de um Processo Administrativo Disciplinar – PAD

5.1 – Da Sindicância – Fase preparatório do PAD

A autoridade que tomar conhecimento de uma irregularidade no serviço público está obrigada a promover a sua imediata apuração por meio de uma sindicância ou até mesmo pular esta etapa e se dirigir aos seus superiores se tiver em mãos informações fidedignas que já justificariam de imediato a instauração de um PAD.

Diz o artigo 143 da Lei 8.112/1990 que A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. E de que autoridade estamos falando?

Em regra, trata-se da autoridade mais elevada e mais próxima do setor onde tenha ocorrido a irregularidade. Cada estatuto pode identificá-la ou mesmo deixar em aberto para que alguma legislação inferior (portaria, resolução) determine. Entretanto, pode a apuração ser solicitada por autoridade alheia ao órgão onde tenha ocorrido o ilícito administrativo. Gestores superiores poderão delegar competência específica em caráter permanente ou temporário (art. 143, § 3º da Lei 8.112). Delegar poderes é uma forma de descentralizar a burocracia para a prática de atos administrativos rotineiros.

Antes de ocorrer a instauração de um PAD, pode ser necessária uma sindicância, que é um processo no sentido lato sensu. Trata-se de um meio usado para apurar ilícito administrativo e identificar o autor ou apenas colher informações que possam instruir um processo administrativo. Geralmente a sindicância ocorre no âmbito da repartição onde aconteceu o ilícito, o que facilita a apuração e pode evitar instaurações de processos administrativos desnecessários, se a sindicância não vislumbrar a prática de algum ilícito administrativo ou penal.

Assim, a sindicância serve como instrumento para se investigar irregularidades, onde primeiramente alguém faz uma denúncia por escrito, identificando-se. Caso a autoridade (chefe de uma repartição etc.) entenda que os fatos narrados não configurem evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada por falta de objeto. A expressão “evidente infração” deve ser analisada pela autoridade sob a ótica do homem leigo, ou seja, a autoridade encarregada das primeiras averiguações não está obrigada a conhecer exatamente de todas as infrações administrativas e penais para enquadrar a narrativa dos fatos a uma ou mais infrações expressas no estatuto ou outra lei pertinente.

Entretanto, o senso comum é capaz de identificar o que não faz sentido para se prosseguir numa apuração que só trará custos para a Administração sem a menor possibilidade de os fatos narrados estarem relacionados com alguma infração administrativa. Se alguém assume um cargo público onde lhe é dada uma posição de autoridade, ainda que de pouca relevância, supõe-se que seja capaz de observar uma narrativa e compará-la com o rol de infrações disciplinares que constam no respectivo estatuto dos servidores ou com algum ilícito penal. Se não houve evidente infração, só resta o arquivamento.

Mas, se houver dúvidas sobre a ocorrência de um ilícito administrativo ou penal, ainda que não se identifique de imediato o autor ou autores, a sindicância deverá ser instaurada e ela pode servir como preparação para deflagrar a instauração de um PAD.

Em regra, a sindicância é composta por três servidores do próprio órgão onde teria ocorrido o ilícito, ou de órgão correlato. Antes do início dos trabalhos há uma publicação dos nomes dos servidores que farão a apuração e eles devem ter formação igual ou superior a do acusado.

A Lei 8.112/1990 fala que as denúncias sobre irregularidades devem ser por escrito e com identificação (art. 144). Entretanto, parece-me uma condição geradora de obstáculo para não se denunciar. Se denúncias anônimas podem movimentar a máquina administrativa desnecessariamente e até atingir inocentes, cabe à autoridade usar o bom senso e decidir se uma denúncia anônima tem algum valor para, pelo menos, fazer uma averiguação antes de se instaurar uma sindicância. Se a denúncia traz narrativas dizendo onde estão as provas de um ilícito e quem é o autor ou diz como obter tais provas, não vejo sentido que a autoridade a ignore sem averiguar a sua pertinência para instauração de uma sindicância. Mas se tais informações estão assinadas e o denunciante apresenta provas, então a sindicância por si só já se justifica.

Não estou falando de denúncias vazias, desprovidas de razoabilidade, as quais realmente devem ser ignoradas de imediato. Mas, ignorar uma narrativa, às vezes facilmente verificável, não estaria a autoridade cometendo algum tipo de ilícito administrativo ou penal? E se ficar configurado tempos depois que a autoridade ignorou uma denúncia anônima para proteger alguém? Por tal razão, mesmo diante de uma denúncia anônima que faça algum sentido e apresente provas, é importante que a autoridade tome algum tipo de providência, ainda que não instaure de imediato uma sindicância. Deve narrar sucintamente o que averiguou e decidir pela instauração da sindicância ou não. É uma forma de se proteger contra possíveis acusações no futuro de ter ignorado fatos tipificados como ilícitos.  

Geralmente com o prazo máximo de 30 dias, podendo ser prorrogado por mais 30, o processo de sindicância pode ser arquivado se constatada ausência de qualquer infração. Ou, constatando-se a infração e a sua autoria, pode ser aplicada penalidade de advertência ou suspensão de até 30 dias se, a juízo dos sindicantes, a infração não for passível de pena superior a 30 dias de suspensão. Veja o art. 145, II da Lei 8.112/1990.

Mas, atenção: há divergências quanto à possibilidade de uma sindicância ter o poder de atribuir penalidades, ainda que brandas, como advertência e suspensão de até 30 dias. Embora o estatuto federal, dentre outros, preveja tais penalidades no âmbito de uma sindicância, ainda que seja dado o amplo direito de defesa ao servidor, faz sentido defender que tal prerrogativa não caberia aos sindicantes. Entendo que a sindicância serve apenas como fase preparatória para um PAD, nunca para punir, ainda que ela seja incisiva quanto ao autor do ilícito.

Porque defendo esta tese? Quando um servidor se encontra numa situação em que é acusado de ter cometido uma infração, ele se sujeitará a um julgamento. A aplicação de qualquer penalidade, mesmo que seja leve, (repreensão ou suspensão no máximo de até 30 dias) só pode ser aplicada no âmbito de um PAD que é conduzido por servidores com formação específica em direito, nomeados permanentemente para atuarem em processos administrativos disciplinares, portanto, legitimados para interpretar fatos e normas jurídicas que resultarão numa penalidade.

Deixar a vida de servidores acusados nas mãos de outros servidores que não têm atribuições rotineiras para julgar, seria violação ao princípio do juiz natural num sentido lato sensu.

Tal princípio impõe que todo acusado deve ser julgado por um tribunal já existente. Em outros termos, ninguém pode ser julgado por um tribunal criado especialmente para tal julgamento e logo depois se desfaz. Neste caso, estamos falando dos temíveis tribunais de exceção. A existência prévia de um tribunal e a qualificação específica de seus membros é a garantia da independência e imparcialidade do órgão julgador. Fazendo analogia com as comissões de sindicâncias, não é incomum que as mesmas sejam criadas depois da ocorrência de um ilícito e, em regra, são formadas por servidores sem conhecimentos jurídicos para lidarem com legislações. Ainda que determinados órgãos públicos tenham comissões sindicantes em caráter permanente em virtude do volume das demandas e seja dado o amplo direito de defesa ao investigado, mesmo assim, atos de natureza preparatória não podem servir de base para aplicar penalidades.

Para seguir o rigor da esfera penal, não seria demais dizer que uma sindicância está para um inquérito policial, ao passo que um processo administrativo disciplinar está para uma ação penal. A punição de um investigado não se dá no bojo do inquérito policial. A autoridade policial apura os fatos e faz o indiciamento ou não do investigado, submetendo o inquérito com o respectivo relatório ao Ministério Público. E este poderá ou não propor uma ação penal, denunciando o indiciado perante ao judiciário. E este poderá transformá-lo em réu, dando-se início a uma ação penal.

Ainda que um ilícito administrativo tenha menor potencial ofensivo do que um crime, não se pode estabelecer gradações para justificar punições sumárias por um colegiado cuja natureza é de apenas municiar os trabalhos de um colegiado técnico.

Além disto, o princípio da imparcialidade também é imprescindível para um julgamento justo. Não quero dizer que servidores do próprio ambiente de trabalho do acusado sejam necessariamente parciais, para beneficiá-lo ou prejudicá-lo. Mas é certo que os membros de uma comissão processante no âmbito de um PAD, teoricamente, estão distanciados do acusado.

Entretanto, se há muita demanda, nada impede que a Administração Pública crie comissões de sindicâncias permanentes com autoridade para aplicarem punições referentes a ilícitos de menor relevância (advertência ou suspensão até 30 dias), desde que providas de pessoal com formação jurídica.

Felizmente, não é incomum que muitas as comissões sindicantes não apliquem penalidades, ainda que a legislação permita a aplicação de penas leves. Elas preferem submeter o que foi apurado aos servidores que atuarão no PAD. Se a sindicância não lograr êxito no que foi denunciado, então arquiva-se e não há necessidade de PAD, conforme se vê no artigo 144, Parágrafo único: Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto, e o artigo seguinte diz: art. 145. Da sindicância poderá resultar: I - arquivamento do processo.

Superada a fase da sindicância, que também é um processo no sentido lato sensu, chegamos ao Processo Administrativo Disciplinar propriamente dito, o famoso PAD.

5.2 – Fases do Processo Administrativo Disciplinar – PAD

Embora a ênfase dada ao PAD neste artigo seja a pena de demissão, cabe lembrar que este instrumento se presta à apuração de qualquer outra irregularidade punível com penas de advertência, repreensão, suspensão, cassação de aposentadoria etc. ou quaisquer outras nomenclaturas dadas pelos diversos estatutos.

Quando uma sindicância chega numa instância administrativa superior, seria bom que houvesse um filtro para evitar que casos sem perspectivas para prosperarem sejam de imediato arquivados. Por exemplo, dependendo da data do ilícito administrativo, sobretudo o de penalidade branda, é possível que já esteja a punibilidade extinta pela prescrição ou prestes a prescrever e nem vale a pena iniciar um PAD que deverá seguir o rigor do devido processo legal. Pode ser que não haja tempo suficiente para cumprir todos os procedimentos e prazos. É possível também que os fatos narrados não tenham correlação alguma com ilícitos.

Sindicâncias sem fundamentos para justificarem instaurações de PADs podem ser comuns, uma vez que os sindicantes preferem submetê-las às comissões processantes por medo de terem deixado passar alguma coisa importante, até porque, como já dito anteriormente, os sindicantes não têm a expertise dos servidores que atuam numa Comissão que lida diariamente com PAD.

Mas, afinal, quais são os ilícitos administrativos que preveem demissão?

Os estatutos de servidores podem apresentar em maior ou menor quantidade e com nomenclaturas diferentes um rol de ilícitos administrativos cujo infrator se sujeita à demissão. Vejamos o exemplo do estatuto do servidor público federal, Lei 8.112/1990.

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção;

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Veja o que diz o artigo 117:

Art. 117.  Ao servidor é proibido:                   

I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato;

II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição;

III - recusar fé a documentos públicos;

IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço;

V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;

VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;

VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político;

VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;                   

XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro;

XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;

XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas;

XV - proceder de forma desidiosa;

XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares;

XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias;

XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;

XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.               

Mas atenção: neste rol de proibições do artigo 117, dos incisos IX ao XVI, aplica-se a pena de demissão. Quanto às demais proibições, aplicam-se a pena de advertência ou de suspensão de até 180 dias, conforme a gravidade da conduta do servidor.

Grosso modo, os ilícitos administrativos se repetem nos diversos estatutos ou apresentam muitas similaridades entre eles. Cada caso concreto deve ser analisado sob a ótica do respectivo estatuto, obviamente. Entretanto, na hora de uma defesa, nada impede que o servidor processado faça analogias para invocar o benefício de alguma norma exposta em outro estatuto. 

O artigo 151 da Lei 8.112/1990 fala sobre as fases do PAD:

Art. 151.  O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;

II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;

III - julgamento.

Farei um percurso mais detalhado sem me prender exatamente à organização e terminologia do artigo acima. Evitarei o uso do vocábulo “inquérito” e usarei “processo” ou simplesmente a sigla PAD.

Instauração

É uma fase rápida. Instaura-se um PAD por meio de um procedimento denominado “portaria” tão logo a autoridade competente tome conhecimento de um possível ilícito administrativo e/ou penal. A informação pode chegar por intermédio de uma denúncia, de uma representação, de um testemunho, de uma ocorrência policial, de uma matéria jornalística ou por meio de uma sindicância. O material coletado é organizado e formaliza-se um processo, dando-lhe um número e data e a designação da Comissão Processante. Publica-se em diário oficial e começam os trabalhos.

Quando se instaura um PAD pode ser que já exista um servidor apontado como o infrator. Geralmente esta informação chega à autoridade quando há uma sindicância, etapa anterior à instauração do PAD, embora não seja necessária para tal. Neste caso, o servidor passa a ser investigado e a portaria deve mencionar seu nome, as infrações que lhe são atribuídas, a descrição resumida dos fatos e indicação dos dispositivos legais porventura afrontados.

Notem que usei o termo “investigado” ao invés de “acusado”, embora não seja incomum a lei e a doutrina usar este último. Em consideração à presunção de inocência usarei o termo “investigado” até o momento da indiciação do servidor, quando a Comissão Processante lhe atribui objetivamente o ilícito. Entendo que, se a instauração é um procedimento que dá início ao processo, não poderia o servidor ser receber o rótulo de “acusado” antes do pronunciamento final da Comissão Processante por meio do relatório, peça que resume os fatos e sugere a penalidade ou absolvição do servidor. 

Nada impede que num mesmo PAD possam ser processados vários servidores se todos tiverem relação com os mesmos fatos. De todo modo, conforme o desenrolar da situação, a Comissão Processante decidirá sobre a oportunidade de se instaurar novos processos contra outros servidores para não tumultuar o que já está em tramitação.

Quando a autoridade que tomou conhecimento de uma suposta irregularidade não tiver competência para instauração de PAD, é seu dever

funcional comunicar imediatamente os fatos para superior hierárquico a fim de que este, se não for o competente, encaminhe a quem tem competência para instaurar o PAD.

Mas, atenção: quem tem competência para instaurar ou determinar a instauração de PAD, não necessariamente tem a competência para decidir sobre penalidades. A competência decisória pode ser de autoridade superior àquela que instaurou o PAD ou mesmo pode ser de órgãos colegiados. Esta questão deve ser analisada à luz de cada legislação dos entes federativos.

Para o nascimento de um PAD são necessários dois quesitos: primeiro a manifestação da autoridade competente que determina a instauração e depois a edição de ato administrativo próprio (uma portaria, por exemplo). Neste ato deverá constar de forma cristalina as irregularidades atribuídas ao servidor, a fundamentação legal destes atos, o enquadramento do servidor exatamente nas infrações administrativas e/ou penais e a penalidade em tese cabível naquele tipo de conduta ilícita.

Esses cuidados são importantes porque o servidor precisa saber exatamente do que está sendo atribuído a ele. Uma boa defesa só pode ser feita contra atribuições delituosas bem definidas, obviamente. Atribuições ou acusações genéricas só servem para depreciar imagens das pessoas e movimentar a máquina pública desnecessariamente e ainda pode gerar custos para a Administração que poderá sofrer uma ação por conta dos danos morais causados ao servidor inocente.

Lembrando ao leitor mais uma vez, minha análise toma como base o estatuto do servidor público federal (Lei 8.112/1990), mas esta análise se aplica a qualquer estatuto, estadual, municipal ou distrital.

O objeto de apuração do PAD é a responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições ou que tenha alguma relação com as atribuições do cargo, conforme prevê o art. 148 da Lei 8.112/1990.

Atenção sobre quem conduzirá o PAD, norma do artigo 149 da referida Lei:

Art. 149.  O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.  

O final deste artigo parece admitir que o presidente da Comissão Processante não precisa ter nível superior ao do indiciado, já que fala em “nível de escolaridade igual”. Vamos admitir que o servidor alvo de um PAD tenha apenas o ensino básico. Neste caso, de acordo com a literalidade da lei, seria possível que o presidente da aludida Comissão possa ter também nível equivalente. Mas qual a importância de esmiuçar questão aparentemente irrelevante?

Pode ser que no âmbito federal, devido à qualificação dos quadros de servidores e até mesmo de exigências das leis que criaram cargos para atuarem em Comissão Processante, a literalidade do art. 149 não tenha efeitos práticos no que tange ao nível de escolaridade e formação em direito dos membros da Comissão Processante.

Não seria razoável que fossem designados servidores com nível de escolaridade básico embora igual ao nível do servidor processado. E mais, não bastaria apenas o servidor ter nível superior cuja atribuição de seu cargo é a análise de questões eminentemente jurídicas, pois envolve aplicação e interpretação de legislações. Não faria sentido, por exemplo, que um engenheiro atuasse numa Comissão Processante, decidindo sobre suspensão ou até demissão de servidor. É preciso dar ao acusado uma análise técnica de seu caso. Se juízes experientes cometem erros, sem palavras para quem sequer tem formação jurídica para tratar justamente de questões jurídicas.

É preciso atentar para essa questão quando se analisa os casos concretos nos inúmeros Municípios e Estados deste país. Conhecendo os detalhes das legislações e princípios jurídicos, pode-se evitar injustiças.

Instrução

Tão logo esteja concluída a fase de instauração a Comissão Processante procede a instrução. A Comissão pode requisitar mais documentos, realizar diligências, tomar depoimentos de testemunhas e do servidor investigado. Ainda que existam muitos casos semelhantes, a instrução será feita conforme cada caso concreto.

A notificação para que o servidor investigado deponha poderá ser realizada pessoalmente ou por via postal com aviso de recebimento (AR). Ou por qualquer meio que assegure a certeza de que o servidor investigado tomou ciência do PAD. Feitas a devidas tentativas de localizar o servidor e a Administração não logrou êxito, a citação ou notificação pode ser feita por edital.

Pode acontecer de, durante uma investigação, a Comissão Processante descobre que há outros servidores envolvidos na denúncia ora recebida. Por exemplo, suponhamos que uma denúncia contra um determinado professor informe que ele comprou certificado de pós-graduação lato sensu na intenção de obter um acréscimo na remuneração. Se a instituição de ensino que consta no certificado negar que o tenha emitido, praticamente o destino do servidor já está traçado. Mas, o sinal de alerta da Comissão indicará que, numa situação deste tipo, dificilmente há um só servidor envolvido. A partir desta desconfiança o processo pode seguir outros rumos e trazer novos servidores para o cenário de investigações.

Neste caso, se faz necessário verificar a existência de outros certificados também negados pela referida instituição e convocar os professores que neles constarem e trazê-los para integrarem o processo. Não é incomum que um processo comece numa direção e depois tome curso completamente diferente.

Pode ocorrer também de a instauração de um PAD tenha apenas informações sobre atos ilícitos, sem nenhuma indicação de autoria. Geralmente processos investigatórios sem algum indicativo de autoria são mais difíceis e demorados.

Instruir significa alimentar um processo com informações relacionadas ao caso, seja para provar a culpa ou dolo do servidor, seja para inocentá-lo. As comissões processantes têm autoridade para requisitar e exigir de quaisquer outros órgãos da esfera de sua atuação documentos que possam esclarecer os fatos. Por exemplo: um processo que apura irregularidade praticada por um professor, médico, engenheiro etc., a Comissão Processante pode requisitar e exigir documentos das respectivas unidades de lotação do servidor ou de qualquer outro órgão que porventura a Comissão vislumbre alguma informação relevante.

O que motiva as exigências da Comissão Processante são os fatos e documentos que deram início ao processo. De todo modo, existe uma rotina para as exigências conforme cada tipo de PAD. A partir daí, à medida que as informações forem chegando e os depoimentos forem reduzidos a termo, novos contornos vão sendo vislumbrados.

O leitor deve ter percebido que usei o vocábulo “exigir” em parágrafo anterior ao me referir à Comissão Processante. Se uma Comissão está apurando irregularidades e requisita documentos de outros órgãos públicos, as autoridades dos respectivos órgãos não podem negá-los sob pena de incorrerem em ilícitos administrativos. Qual o motivo da negação? Esconder algum fato importante que poderia trazer outros servidores para o processo? Ou simplesmente o motivo seria beneficiar o servidor por razões diversas? Se uma Comissão não pode exigir algo pertinente à elucidação de uma irregularidade, então seu papel estaria esvaziado e sua atuação comprometida.

Portanto, na fase da instrução a Comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de provas, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos (art. 155, Lei 8.112/1990), bem como requisitar documentos que entender necessários. Mas pode o presidente da Comissão denegar pedidos impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos (§ 1º, art. 156, Lei 8.112/1990).

Nunca é demais lembrar que estão garantidos os princípios do contraditório, da ampla defesa e uso dos meios e recursos admitidos em direito. É assegurado o direito de o servidor acompanhar o processo pessoalmente ou por meio de procurador, bem como pode arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas, formular quesitos caso haja prova pericial no processo (artigos 153 e 156 da Lei 8.112/1990).

Entretanto, não será permitido ao servidor e testemunhas levarem suas informações por escritos. Terão que prestar depoimento e testemunhos oralmente que serão reduzidos a termo pela Comissão (art. 158, Lei 8.112/1990).

O objetivo jurídico da instrução é propiciar condições para que possa ser emitida uma decisão sobre a matéria tratada no PAD. Depoimento do servidor investigado, testemunhos, perícias, documentos em geral (escritos, fotos, vídeos, áudios etc.) formam um mosaico de provas que será analisado pela Comissão Processante.

O maior cuidado que uma Comissão deve ter é com as provas testemunhais. Elas devem estar em conformidade com outras provas a fim de aumentarem o grau de veracidade do conjunto probatório. Um testemunho por si só é temerário para formar convencimento sobre a prática de um ato ilícito. Mas se a narrativa da testemunha tiver lógica e ela indicar onde estão ou como se pode obter provas documentais, então o testemunho adquire robustez. Se, além de provas documentais, há depoimentos de pessoas que não se conhecem que dizem a mesma coisa, dando as mesmas informações sobre os mesmos fatos, então a situação do servidor se complica.

Ainda sobre as provas testemunhais, advogados experientes costumam fazer um levantamento da conduta das testemunhas de acusação objetivando desacreditá-la. Por exemplo, se o testemunho é dado por uma pessoa que responde processo por estelionato, tal informação é importante para beneficiar o servidor processado. Não quer dizer que o referido testemunho seja desprovido de verdade, mas deixa a Comissão Processante em alerta. Este perfil de testemunha terá que dar informações que possam ser comprovadas documentalmente, do contrário poderá não ter relevância para o processo, pois quem responde processo por estelionato tem por hábito contar mentiras.

Não é demais ainda ressaltar que, se a testemunha tem por costume depreciar a imagem do investigado, e isto ficar demonstrado por meio das redes sociais ou até mesmo por meio de outros testemunhos que atestam os entreveiros entre testemunha e o investigado, temos aqui também um sinal de alerta. Pode haver interesse de quem testemunha que o investigado seja punido.

Indiciação

Antes de a Comissão Processante abrir prazo para a defesa se pronunciar, é necessário que ela já tenha concluído todos os trabalhos de coleta e análise de provas e tenha feito a correlação do ilícito administrativo à conduta do servidor. Neste momento ocorre a indiciação com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas (art. 161, Lei 8.112/1990). Tecnicamente o servidor deixa de ser investigado e se torna um acusado. A narrativa deve descrever com clareza qual a ilicitude praticada pelo servidor. O acusado deve ter ciência exata do que lhe é imputado como garantia de seu direito constitucional de defesa e contraditório. Se não souber exatamente do que está sendo acusado terá sua defesa prejudicada.

Em outros termos, é imprescindível que a acusação contra um servidor seja certa, objetiva e circunstanciada. A conduta do servidor deve obrigatoriamente configurar um tipo legalmente previsto no estatuto ou em lei penal. Tais exigências decorrem dos princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Após a indiciação será expedido mandado de citação pelo presidente da Comissão para que o servidor apresente defesa escrita dentro do prazo legal de 10 dias. Havendo dois ou mais indiciados o prazo será comum e de 20 dias (art. 161, §§ 1º e 2º, Lei 8.112/1990). Outros estatutos poderão estabelecer prazos e regras diferentes.

Mas chamo atenção que o Código de Processo Civil de 2015 estabelece o prazo de 15 dias, contados em dias úteis, para o réu apresentar defesa. Considerando que o CPC é subsidiário de outros ramos do direito, nada impede que o servidor reivindique o prazo mais favorável do Código de Processo Civil. Nunca é demais lembrar que a lei mais recente revoga as normas que com ela for incompatível, considerando que ambas as leis estão na mesma hierarquia.

O servidor será citado no endereço que consta na sua ficha funcional, pois é de sua obrigação manter seus dados atualizados. Mas caso o servidor esteja em lugar incerto e não sabido, ele será citado por edital publicado em diário oficial convocando-o para apresentar defesa. Não atendendo em nenhuma circunstância, ainda que notoriamente saiba que deve apresentar defesa, ele será considerado revel. Neste caso a Comissão Processante designará um defensor dativo, já que ninguém pode ficar sem defesa.

A indiciação formaliza a acusação e começa a fase da defesa.

Defesa

Rigorosamente a fase da defesa está contida na instrução. Mas para efeitos didáticos separei a defesa da instrução propriamente dita. Só depois de sua apresentação é que a Comissão Processante fará o relatório com a sugestão de penalidade.

Suponhamos que a Comissão não tenha constatado a prática de ilícito ou que o servidor é inocente. Se isto ocorrer, por questões óbvias, não haverá indiciamento e nem chamada para a defesa. A Comissão fará o relatório sugerindo o arquivamento do PAD. Há quem fale em absolvição do servidor. Mas como falar em absolvição de alguém que não foi indiciado?

O amplo direito de defesa é uma garantia inamovível exposta na Constituição Brasileira, artigo 5º, inciso LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A convocação para o servidor apresentar defesa se dá com a citação ou notificação, ou qualquer outra nomenclatura com o mesmo objetivo. Só para lembrar, são mais de 5.500 (cinco mil e quinhentos) estatutos espalhados pelo país. Mas o que é citação? Segundo o artigo 238 do Código de Processo Civil de 2015, Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.

Embora a norma acima tenha em vista o processo judicial, o termo citação pode ser usado no âmbito de um PAD no momento em que o servidor é convocado para apresentar defesa. No processo judicial a citação ocorre logo que se dá a instauração do processo e a parte processada precisa tomar conhecimento para que integre a relação processual e passe a atender ou não as demandas que forem ocorrendo no curso do processo. Já no PAD o servidor pode ser citado só no momento em que ele deve oferecer defesa, pois a Comissão Processante decidiu pelo seu enquadramento num ilícito administrativo e/ou penal.

A citação deve conter: a identificação do servidor e nome do órgão onde ele está lotado; a finalidade do ato; local onde está o PAD e respectivos horários de funcionamento da Comissão Processante e a indicação dos fatos atribuídos ao servidor acusado.

Na defesa tudo pode ser alegado pelo servidor desde que a lei não proíba. Trata-se do amplo direito de defesa cujo teor deve ser analisado minunciosamente pela Comissão Processante, pois é na defesa que o servidor acusado terá oportunidades de apontar falhas processuais, apresentar documentos, desqualificar provas e considerar outras, enfim, a defesa tanto pode mudar totalmente a direção do processo em favor do servidor, como também pode ratificar o convencimento que a Comissão Processante já formou a respeito do infrator no momento da indiciação. Contradições e alegações sem fundamentos podem ser comuns em PAD e a defesa pode não saber explorar adequadamente. É preciso que a peça de defesa não se transforme numa peça acusatória e ajude o relator da Comissão Processante nas suas convicções quanto à culpabilidade do acusado.

Relatório consultivo e parecer opinativo

         O relatório é a peça conclusiva produzida pela Comissão Processante. Nele deve constar um resumo completo dos fatos. Indicar o servidor, o ato que ele praticou, mencionar as provas coletadas, o depoimento e testemunhos e tudo que foi apurado. Na sequência se procede a análise do que foi apurado e se as provas são suficientes para uma penalidade ou não. Na conclusão do relatório o relator indica a norma legal transgredida pelo servidor e qual a penalidade sugerida para o tipo de conduta ilícita que ele praticou. Caso os outros servidores da Comissão Processante discordem do voto do relator, então eles apresentarão voto em separado sugerindo outras medidas. Ou, se não for o caso, simplesmente acompanharão o relator.

Mas se o relator foi convencido pela defesa de que o servidor é inocente, o seu voto será pela absolvição, podendo os demais servidores da Comissão Processante seguirem do relator ou não. Na prática, são remotas as discordâncias diametralmente opostas no bojo de um PAD.

Atenção: a rigor, não cabe à Comissão Processante fazer julgamento prévio, pois ela não tem poder para punir. A natureza jurídica do relatório é de “ato de administração consultiva”. Entretanto, é fato que, se um relatório aponta a culpa de um servidor, tecnicamente foi feito um julgamento, ainda que o poder de aplicar a pena seja de outro órgão.

A Comissão Processante encerra os trabalhos com o relatório e o processo será submetido a um outro órgão dentro da mesma estrutura administrativa que antecede à tomada de decisão final pela autoridade que realmente tem o poder de aplicar a pena. Não posso afirmar que todos os entes da federação tenham um órgão para análise de todos os atos praticados no PAD antes de o mesmo seguir para julgamento. Afinal, estamos falando de 5.570 Municípios, além dos Estados, DF e União.

Este outro órgão, que pode ser chamado de “Assessoria Jurídica”, por exemplo, fará um exame detalhado de todo o processo, procurando possíveis erros processuais que prejudiquem o processado ou possam possibilitar ao servidor questionamentos no âmbito do judiciário. Se tais erros forem encontrados o PAD retorna à Comissão de origem para consertos, ainda que se tenha de chamar novamente o servidor, testemunhas e requisitar outros documentos. Enfim, pode haver uma falha na citação e o PAD ter que retornar à estaca zero. Por exemplo, suponhamos que o servidor tenha sido citado somente no seu endereço residencial, e a Comissão tenha se esquecido de citá-lo no seu local de trabalho. Uma penalidade aplicada para um servidor que não tenha sido avisado de que teria de apresentar a defesa e o servidor poderia ser facilmente encontrado no seu órgão de lotação, significa anulação da penalidade e recomeçar as coisas a partir deste ponto.

A Assessoria Jurídica, representada por um servidor também com formação jurídica, indicará as falhas processuais e consequências de não as sanar. O papel desta Assessoria não tem por objetivo prejudicar ou beneficiar o servidor, mas de zelar pelo devido processo legal, evitar o cometimento de injustiças e ainda evitar que os atos da Comissão Processante sejam anulados no âmbito do judiciário, desmoralizando a Administração Pública.

Admitindo-se que tudo esteja em ordem no PAD, a Assessoria Jurídica produz um parecer opinativo analisando os pontos imprescindíveis, tais como as provas e o lícito praticado, e no final apontará as razões pelas quais concorda com a Comissão Processante. Pode também discordar parcial ou totalmente. Pode tanto sugerir o arquivamento do PAD por entender que não há nenhum ilícito praticado pelo servidor, pode atenuar a penalidade ou pode até agravá-la, sempre justificando a razão da opinião. Concluído o parecer opinativo o PAD segue para julgamento.

Julgamento

Trata-se de ato das mais altas autoridades. Seguindo o que diz o estatuto federal (Lei 8.112/1990), é possível fazer uma correlação com os outros entes da federação (Estados, DF e Municípios). Vejamos:

Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.

§ 3o Se a penalidade prevista for a demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade, o julgamento caberá às autoridades de que trata o inciso I do art. 141.

Art. 141.  As penalidades disciplinares serão aplicadas:

I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade.

E prossegue o artigo 141, referindo-se às penalidades menos invasivas:

II - pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior     quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias;

III - pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias.

É preciso ficar atento que, por questões de funcionalidade do próprio serviço público, nada impede que haja delegação de poderes para autoridades que representarão as mais elevadas. Entretanto, a lógica do nosso ordenamento jurídico impõe limites para que atos administrativos muito invasivos como demissão ou uma longa suspensão não sejam delegados para escalões sem legitimidade.

No âmbito do julgamento será praticado o ato administrativo aplicando a penalidade e a fundamentação do mesmo. Em regra, o que é produzido pela Comissão Processante e Assessoria Jurídica servem de base para a autoridade julgar e aplicar a penalidade ou o arquivamento.

Chamo atenção que no lugar da pena de demissão pode ser aplicação a pena de cassação de aposentadoria. Pode ocorrer de um processo ser instaurado contra um servidor que já esteja aposentado. Basta que haja denúncia informando que ele praticou ato passível de demissão quando ainda estava em atividade.

Finalmente, convém ressaltar que nem o relatório consultivo da Comissão Processante e nem o parecer opinativo da Assessoria Jurídica são vinculativos, entretanto, dificilmente a autoridade superior discorda do que lhe é apresentado. 

Fim do processo.

Tudo o que foi exposto neste artigo não esgota os inúmeros detalhes e dúvidas que aparecem nos variados casos concretos, provocando, não raro, exercícios complexos de interpretações jurídicas. 

6. Servidor Processado em PAD precisa, necessariamente, ser representado por advogado?

A condução de uma boa defesa depende, obviamente, de um advogado com expertise em direito administrativo disciplinar. Mas, diferentemente do processo judicial, não há obrigação legal para o servidor ser representado por um advogado. Ele mesmo pode se defender, tendo ou não domínio da linguagem jurídica e conhecimentos específicos da referida área. Há uma discussão no mundo jurídico, que não vou adentrar, questionando se a falta de defesa técnica não seria violação ao princípio da ampla defesa.

Um servidor desprovido de qualquer técnica ou que não se sinta confortável em fazer a própria defesa, é aconselhável que recorra aos conhecimentos de um advogado da área. Ele saberá conduzi-lo pelas trilhas processuais, identificar as injustiças e corrigir as falhas que poderão levar o servidor a uma penalidade. Por outro lado, há servidores que não exercem a advocacia, mas têm expertise nos meandros da Administração Pública e saberiam conduzir suas próprias defesas com maestria. Tornar obrigatória a presença de um advogado no âmbito do PAD, independentemente da capacidade que um servidor tem para se defender, não me parece uma boa medida. O direito de escolha não pode ser suplantado por uma reserva de mercado escondida sob o argumento da defesa técnica. A tutela em excesso não produz crescimento em um povo. Cada um deve amargar as consequências negativas de seus atos.

De todo modo, com defesa técnica ou não, quando os fatos são elucidativos e expõem claramente a conduta delituosa do servidor, não há embelezamento de linguagem jurídica que possa mudar o convencimento da Comissão Processante no momento em que a mesma prolatar o relatório com sugestão quanto à penalidade a ser aplicada ao servidor, encerrando sua atuação no PAD e, consequentemente, tal sugestão será acatada pela Assessoria Jurídica e na sequência pela autoridade julgadora.

Além do que foi exposto aqui, cabe ao servidor e/ou seu advogado observar os detalhes do respectivo estatuto a fim de conduzir da melhor forma possível o PAD.

7. Qual o prazo prescricional para a administração pública punir o servidor que comete ilícito administrativo ou penal?

Prescrição é a perda do direito de punir quando o Estado não exerce este direito num determinado lapso de tempo. O instituto da prescrição tem por objetivo trazer segurança jurídica nas relações entre o Estado e o indivíduo. São os seguintes os prazos previstos na Lei 8.112/1990:

Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

No âmbito do PAD a prescrição guarda semelhanças com o direito penal. As diversas unidades da Administração Pública têm um prazo definido nos seus respectivos estatutos para punir seus servidores por prática de ilícitos administrativos ou penais.

Mas como se conta este prazo prescricional? O § 1º, art. 142 da Lei 8.112/1990 diz: § 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

Este parágrafo remete para a seguinte pergunta: como se determina a data de conhecimento de um fato? Vejamos o que diz o artigo seguinte:

Art. 143.  A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

De novo outra dúvida: qual a autoridade referida no artigo anterior? Basta verificar na estrutura administrativa quem é o servidor com autoridade hierárquica para dar o devido encaminhamento dos fatos, caso ele próprio não tenha competência para promover a apuração.

Por exemplo: um diretor de escola ou de hospital não tem competência para promover apuração de uma irregularidade no âmbito de sua unidade de lotação, mas tem autoridade suficiente para reportar os fatos a quem de direito possui tal atribuição.

Resolvida esta questão, resta agora identificar exatamente quando o prazo prescricional começa a correr. A partir da data em que a autoridade que responde por uma unidade de lotação (escola, hospital etc.) toma conhecimento de um fato narrado como ilícito, começa a correr o prazo prescricional, mesmo que ainda não se tenha identificado o autor do ilícito.

Suponhamos que o diretor de um hospital recebeu uma denúncia de desvio de medicamentos. Imediatamente ele faz um ofício comunicando à autoridade competente para instaurar uma sindicância. Ou ele mesmo determina a instauração de sindicância se for o caso de o seu cargo ter também esta atribuição. Se ele puder fazer isto no mesmo dia em que souber do fato, merece parabéns, pois não permitiu que o prazo prescricional começasse a correr. Sequer houve interrupção do prazo, já que a instauração da sindicância no mesmo dia do conhecimento dos fatos não possibilitou o lapso temporal para gerar a interrupção. Mas se ele levar dois meses para tomar alguma providência, instaurando uma sindicância, então significa que são menos dois meses para o Estado exercer o direito de punir.

Logo que se instaura uma sindicância interrompe-se o prazo prescricional. São 30 dias prorrogados por mais 30 para a conclusão de uma sindicância. Se os sindicantes não aplicarem nenhuma penalidade e entenderem que se trata de ilícitos puníveis por mais de 30 dias de suspensão, então encaminha as conclusões da sindicância à autoridade competente para instaurar PAD.

Mas se os sindicantes entenderem pela pena de advertência ou de suspensão até 30 dias e já foram ultrapassados os prazos para apuração, 30 dias e prorrogação por mais 30 e mais 20 dias para tomar uma decisão, totalizando 80 dias, a recontagem será retomado após 80 dias.  

A partir do prazo vencido para a conclusão da sindicância começa correr a prescrição e não se interrompe mais. Se a sindicância for remetida para autoridade superior, cabe agora à Comissão Processante conduzir todo o processo dentro do prazo restante se quiser aplicar alguma penalidade ao servidor, sob pena de não poder exercer este direito caso o prazo prescricional seja ultrapassado desde o conhecimento do fato até o momento em que seria aplicada a pena.

Na hipótese de não existir uma sindicância prévia, a instauração de PAD interrompe o prazo prescricional. Geralmente após o conhecimento de um fato pode haver um lapso temporal de dias, meses ou até de anos. Não é raro denúncias ficarem engavetadas e só ressuscitarem com a troca de gestores. Se um fato noticiando um ilícito administrativo já era conhecido há 10 meses, por exemplo, no momento em que se instaura um PAD interrompe-se a prescrição e a Comissão Processante tem 60 dias prorrogados por igual prazo para apurar e concluir o PAD (art. 152, Lei 8.112/1190). A partir do recebimento do PAD a autoridade julgadora tem 20 dias para decidir (art. 167, Lei 8.112/1990). Esses prazos estipulados por lei podem facilmente não serem respeitados e a consequência disto é a contagem do prazo restante para o Estado exercer o seu direito de punir.

Fazendo as contas, no âmbito de um PAD regido pela Lei 8.112/1990 há apenas 140 dias de interrupção da prescrição. Findado este prazo, a prescrição recomeça a correr normalmente. Não faz o menor sentido a prescrição permanecer interrompida enquanto durar a tramitação do PAD. Lembrando que, a partir do conhecimento do fato, o Poder Público tem até 5 anos para punir o servidor com pena de demissão, cassação de aposentadora ou disponibilidade; até 2 anos com pena de suspensão e até 180 dias com pena de advertência.   

Não é incomum que Processos Administrativos Disciplinares se arrastem por longos períodos sem uma solução, seja por morosidade na apuração, seja pelas dificuldades de se encontrar o autor do ilícito. Tão logo os prazos prescricionais se esgotem só resta à Administração Pública arquivar o PAD, tendo chegado ou não a uma conclusão.

Ainda sobre o § 1º do art. 142 (Lei 8.112/1990): O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido, há determinados fatos cuja data de conhecimento seria duvidosa. Numa interpretação a favor do servidor, se ele cometeu um ato ilícito que deveria ser conhecido logo depois pela autoridade do seu local de lotação, e somente um ano depois alega a autoridade que tomou conhecimento a partir dali, entendo que o prazo prescricional não pode começar da data alegada pela autoridade, mas sim a partir da data do fato.

Suponhamos que o servidor tenha furtado um aparelho de ar condicionado. Um ano depois vem à tona a autoria do fato. O furto de um ar condicionado não deveria ser conhecido logo depois do ato? Mesmo sem saber a autoria, cabe à autoridade fazer um registro da ocorrência na delegacia policial e remeter o documento para a autoridade competente instaurar um PAD. É uma forma de não se perder tempo na apuração.

8. Prescrição do ilícito administrativo que também é um ilícito penal

Pode acontecer de o prazo prescricional ser diferente daquele estabelecido nos estatutos dos servidores, desde que o ilícito administrativo também esteja capitulado em lei penal. Diz o artigo 142, § 2º da Lei 8.112/1990: Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Neste caso, prevalece a prescrição referente ao ato criminoso. Por exemplo, o crime de corrupção passiva, que só pode ser cometido por servidor público, tem pena de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos (art. 317 do Código Penal). Neste crime a prescrição da pretensão punitiva do Estado é de 16 anos. Trata-se de pena em abstrato porque estamos falando de uma situação antes de sentença condenatória transitada em julgado.

Mas como se calcula este prazo prescricional de 16 anos? Por meio de uma norma estabelecida no artigo 109 do Código Penal. No caso do crime de corrupção passiva o critério está especificamente no artigo 109, II que diz o seguinte:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze.

Note que o artigo 317 estabelece pena de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos. A regra do inciso II, art. 109, que estabelece 16 (dezesseis) anos de prazo prescricional se enquadra exatamente dentro destes limites.

Mas atenção: quando o juiz aplica a pena o prazo prescricional deixa de ser regulado pela pena máxima prevista nos critérios do artigo 109 do Código Penal e passa a ser regulada pela pena efetivamente aplicada pelo juiz (pena em concreto), conforme prevê o artigo 110 no seu § 1º: A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

Dependendo do prazo prescricional e da dificuldade de se obter provas, pode ocorrer de não haver tempo suficiente para a tramitação de uma investigação, conclusão do inquérito policial, indiciamento, remessa para o Ministério Público (que pode pedir mais investigações e coleta de provas) para, depois, oferecer denúncia e a mesma ser aceita pelo judiciário. Se a prescrição acontecer antes de o judiciário acatar a denúncia, extingue-se a punibilidade. Mas se o judiciário receber a denúncia antes de a prescrição acontecer, a mesma é interrompida e começa a ação penal com o acusado transformado em réu.

Caso o réu seja condenado, começa a correr um novo prazo prescricional agora com base na pena aplicada. Significa dizer que o prazo prescricional da pretensão punitiva executória do Estado começa a correr do momento em que a acusação não puder mais recorrer para aumentar a pena do réu. É por essa razão que o advogado do réu sempre recorrerá contando com a morosidade da justiça até que se esgote o prazo que o Estado tem para executar a pena e ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição.

Em outros termos, dependendo do poder econômico do réu, a longa trajetória de uma investigação criminal até a denúncia e depois com a tramitação dos respectivos recursos da defesa, tudo pode simplesmente dar em nada, ainda que existam provas cabais da prática de um crime e sua autoria.

Esta mesma lógica vale para qualquer caso em que o tempo e a regra do jogo sejam implacáveis com a morosidade da justiça. Neste jogo, não é incomum que os criminosos vençam a Administração Pública (a sociedade). É por isso que, para muitos crimes, mesmo descobrindo-se a autoria e ainda que esteja dentro do prazo prescricional em abstrato, pode não ser viável promover a investigação e tramitação de um processo se o prazo que esses procedimentos podem levar forem incompatíveis com o tempo que ainda falta para acontecer a extinção da punibilidade.

Em outras palavras, pode não valer a pena a polícia e o Ministério Público movimentar a máquina estatal de persecução penal para, no final, ver a punibilidade extinta por conta da prescrição. Seria um gasto desnecessário de dinheiro público.

Mesmo que haja tempo para a tramitação de investigação, indiciamento, denúncia e acatamento da mesma pelo judiciário, não significa sucesso para o Estado, pois na hora da aplicação da pena uma nova regra prescricional se configura imediatamente, conforme se viu no artigo 110 do Código Penal. Se o juiz aplicar uma pena baixa pode ocorrer de o prazo prescricional ser menor do que o tempo de tramitação dos recursos, ocorrendo a extinção da punibilidade.

Quando se trata de analisar infrações de servidores públicos é inevitável escapar para o campo penal, tendo em vista que muitas infrações administrativas também são ilícitos criminais. Há uma infinidade de condutas delituosas que podem ser cometidas por servidor público em razão do cargo.

9. Acumulação ilícita de cargo público ou emprego público, inassiduidade e abandono de cargo ou emprego público

Gostaria de chamar atenção para esses três ilícitos administrativos. São ilícitos que se constatam com simples apurações e imediata identificação da autoria. Configura-se imediatamente uma relação entre o servidor e a infração administrativa. Nada impede que a Administração Pública faz uso de procedimentos sumários para lidar com tais situações.

9.1 – Acumulação ilícita de cargo público

Em regra, a Constituição Brasileira proíbe a acumulação de cargos, excepcionalmente alguns são permitidos:

Art. 37…………………………………………………………………….

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;         

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;        

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. 

Trata-se de uma evidência material cuja prova por si só é o fato de o servidor ser descoberto ocupando dois cargos públicos. Numa situação dessas não o que se discutir. Quando isto ocorre o servidor é notificado para, dentro de determinado prazo, fazer a opção por um dos cargos e apresentar a prova de que pediu exoneração de um deles. Por exemplo, o servidor tem dois cargos de professor no Estado do Rio de Janeiro e um cargo no Município de Niterói. Se ele der preferência a ficar com os dois cargos no Estado, terá que apresentar prova do pedido de exoneração do cargo de professor de Niterói. Acumulações ilícitas são comuns em cargos de professor e de médico, cujas cargas horárias por matrícula são menores do que 40 horas e têm maiores flexibilidades de horários de trabalho, inclusive adicionando o turno a noite. Mas se o servidor além de acumular ilicitamente e não tem compatibilidade de horários, então é necessário investigar o não cumprimento de sua jornada de trabalho integralmente. Pode ser que haja conivência da chefia e o processo tome outros rumos.

Mas se o servidor não optar? Ele será indiciado e demitido do cargo.

A única possibilidade que vislumbro para um servidor se defender argumentando que não acumula ilicitamente, seria apresentar provas de que acumula o cargo de professor com outro cargo técnico ou científico. Não seria surpresa a Administração Pública questionar a natureza técnica ou científica de um determinado cargo. Às vezes a lei que criou o cargo pode não ser tão explícita e acaba gerando dúvidas quanto ao conceito de cargo técnico e as atribuições do cargo efetivamente exercido. 

9.2 – Inassiduidade

Esta infração administrativa também é evidente na sua imediata correlação com o servidor. Basta constatar o número de faltas sem justificativas ao longo de doze meses para se configurar o ilícito. A Lei 8.112/1990 prevê 60 faltas interpoladas e o estatuto do Estado do Rio de Janeiro (Decreto 2479/1979) prevê 20 faltas interpoladas também ao longo de doze meses. Somente uma Comissão Processante extremamente negligente faria uma contagem errada para indiciar o servidor infrator e demiti-lo. Uma defesa atenta deve fazer uma contagem cuidadosa e verificar se houve contagem errada ou há pelo menos uma falta justificada. Uma só falta a menos será a diferença entre a demissão e a permanência no serviço público. 

9.3 – Abandono de cargo público ou emprego público

Não há infração mais evidente do que o abandono de cargo público ou emprego público. Basta contar mais de 30 faltas consecutivas, ilícito previsto no estatuto do servidor federal (art. 32, II da Lei 8.112/1990) e 10 faltas consecutivas no estatuto do servidor do Estado do Rio de Janeiro (art. 298, V do Decreto 2479/1979). Uma vez constatada as tais faltas, a primeira providência da autoridade é a suspensão do pagamento por motivo de abandono de cargo. Em seguida instaura-se o PAD cujas faltas documentadas é a prova cabal que instrui o referido processo.

Qual o tipo de defesa que um servidor poderia apresentar contra as tais faltas consecutivas? Poderia alegar que teve um acidente e ficou em coma e a família não foi diligente para comunicar à Administração ou até mesmo nem sabia de seu paradeiro. Se isto ficar comprovado, então o PAD será arquivado por falta de objeto. Mas se a demissão já tiver sido publicada, a Administração deve reintegrar o servidor ao cargo, desde que ele a provoque.  

Todos os estatutos, com certeza, têm a previsão da penalidade de demissão para quem abandona um cargo público. A prescrição para a aplicação desta penalidade é de 5 (cinco) anos prevista, conforme a Lei 8.112/1990 (Estatuto do Servidor Público Federal). Lembrando que existem 27 outros estatutos estaduais e 5.570 estatutos municipais. Cada qual pode variar nos prazos prescricionais e penalidades. De todo modo, há uma certa similaridade entre os estatutos, conforme já mencionei.

Imagine, então, no caso de abandono de cargo em que um processo ficou tramitando por mais de cinco anos e até então não se localizou o infrator. Não é incomum o servidor mudar de endereço e não se preocupar em atualizá-lo. Ocorre também de o próprio servidor simplesmente ignorar a chamada (citação) para oferecer defesa.

Sabendo-se que a punibilidade se extingue pela prescrição (artigo 107, V do código penal) e ultrapassados cinco anos desde a consumação do abandono de cargo e o processo administrativo disciplinar não teve um desfecho, como o servidor seria desligado do serviço público se ele não pode ser demitido?

Neste caso aplica-se a exoneração, que não é uma penalidade. A exoneração sem que seja a pedido do servidor é uma excepcionalidade que se aplica no caso de abandono de cargo cujo prazo prescricional para a penalidade já ultrapassou os cinco anos. O vínculo de um servidor com a Administração Pública encerra-se com a demissão, que é uma penalidade ou com a exoneração que é uma escolha, ou seja, a exoneração a pedido decorre de ato volitivo do servidor. Ele não quer mais manter o vínculo, então dirige-se ao seu superior hierárquico e formula por escrito seu pedido de exoneração e ele se afasta imediatamente. Simples assim. Apenas ocorrerão as formalidades para a publicação em diário oficial da respectiva exoneração. Mas se um servidor estiver respondendo a algum processo administrativo, a exoneração não será concedida até que haja o desfecho do caso.

Ainda nesta toada do abandono de cargo, o leitor deve estar perguntando por que muitos servidores preferem abandonar o cargo do que fazer a coisa certa que é o pedido de exoneração? E ainda, porque alguém abandonaria um cargo público?

A principal razão para o abandono de cargo é o descontentamento com a remuneração. O servidor arruma outro trabalho e resolve abandonar o cargo. Simples assim. O procedimento correto para quem pretende abrir mão de um cargo público é o pedido de exoneração.

Geralmente o comportamento de quem abandona um cargo público deve-se ao receio quanto ao infortúnio em outro trabalho. Se não tiver êxito então bastaria entrar em contato com a Administração e solicitar o retorno, caso ainda não tenha ocorrido a publicação da demissão. O vínculo continua, embora com vencimentos suspensos desde o momento de confirmação do número de faltas consecutivas caracterizadoras do abandono de cargo. Aqui no Estado do Rio de Janeiro tenho visto este comportamento comum no cargo de professor.

O servidor leva a situação até às últimas consequências na expectativa de um possível retorno caso não logre êxito em outro trabalho. Conta com a morosidade do Poder Público e espera o perdão com o retorno ao cargo de origem. Se pedir exoneração, encerra-se o vínculo com o Estado imediatamente. E um processo disciplinar por abandono de cargo pode levar muito tempo ainda que a prática do ilícito seja tão evidente. Talvez o fato da suspensão dos vencimentos, deixando de gerar despesa, acabe contribuindo para a morosidade excessiva.

Mas, atenção: abandono de cargo é crime. Está tipificado no código penal, artigo 323, com pena de detenção de quinze dias a um mês, ou multa. Mas se do fato resultar prejuízo público a pena de detenção será de três meses a um ano e multa (§ 1º). Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira a pena de detenção será de um a três anos e multa (§ 2º). 

Contudo, se abandono de cargo é crime, por que tal conduta não é coisa tão rara no serviço público? Parece-me que as Comissões Processantes em geral preferem não comunicar o ilícito à autoridade policial. Talvez porque a pena seja branda demais e o delito considerado irrelevante para compensar o acionamento do aparelho policial, do Ministério Público e posteriormente do Judiciário. O custo/benefício para a sociedade seria muito grande. Basta o custo para movimentar o PAD. Certamente esta é a percepção que o próprio servidor deve ter de sua conduta, inclusive os seus pares.

A despeito de a pena ser branda, o objetivo da lei penal é punir o servidor que desprezou o cargo público, abandonando-o sem justificativas. Simplesmente deixa a Administração Pública mais amarrada para substituí-lo, visto que a vaga daquele cargo não fica disponível e, portanto, não entra no quantitativo para oferta num concurso público. Rigorosamente nem pode ser preenchida definitivamente por alguém que esteja se transferindo de um lugar para outro. Mesmo que o superior hierárquico saiba da intenção do servidor, a vaga só ficará em aberto para que outro a ocupe, após o desfecho de um processo administrativo com a publicação da demissão. E isto poderá levar alguns anos. Até que a vaga seja ocupada definitivamente, alguém ficou sem a prestação de um serviço ou outros servidores terão que fazer o trabalho de quem abandonou o cargo.

Seria melhor o legislador abolir o crime de abandono de cargo e estabelecer em lei federal algum tipo de punição pecuniária. Por exemplo, o pagamento de um valor mensal de seus vencimentos na época em que se concretizou o abandono, devidamente corrigidos, e mais o pagamento do gasto que o Poder Público realizou para movimentar o PAD que o próprio servidor deu causa, pois tinha como alternativa pedir exoneração.   

Pode ocorrer, e não é algo excepcional, de se iniciar um processo administrativo disciplinar por abandono de cargo e o desfecho ser o arquivamento por falta de objeto, ou seja, não houve abandono de cargo a despeito das faltas que caracterizariam o ilícito. Conforme já mencionado, um acidente em que o servidor tenha ficado em coma por algum tempo pode demorar a chegar ao conhecimento da Administração Pública uma vez que não houve pedido de afastamento para tratamento de saúde. Às vezes até mesmo a família demora a encontrar o acidentado. Sem documento oficial do fato só resta ao superior hierárquico comunicar as faltas sob pena de praticar crime de prevaricação. Instaura-se o processo administrativo disciplinar e, posteriormente, comprovando-se que não houve conduta de abandono de cargo, encerra-se o caso.

Outra situação também nada excepcional é o arquivamento de um processo por abandono de cargo no caso de óbito do servidor. Às vezes a notícia de um óbito chega após a instauração de um processo. Comum ocorrer quando há pessoas com perfil reservado e os colegas sequer têm contato para saber do falecimento. Mas se o ato administrativo de demissão já tiver sido publicado, cabe à família do servidor falecido pleitear anulação do PAD para que o abandono de cargo seja anulado. Neste caso, é importante juridicamente anular o abandono para que o cônjuge e/ou filhos menores possam ter direito à pensão.

10. Recurso, reconsideração e revisão

Das decisões em PADs, é possível recurso e pedido de reconsideração. Sobre este quesito é preciso observar o que diz cada estatuto. Não quer dizer que todos os estatutos tratem desses assuntos. De todo modo, a Constituição Brasileira garante o seguinte no art. 5º inciso XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Sendo assim, ainda que existam normas estatutárias regulando recursos e reconsiderações em PAD, obviamente que é melhor mudar da esfera administrativa para a judiciária. Pois já existe uma decisão administrativa que é suficiente para instruir uma ação judicial, cujo êxito pode vir de imediato por meio de uma liminar e o sucesso no final é mais provável do que ingressar com recurso administrativo e esperar a boa vontade da Administração Pública. De todo modo, caberá a análise do caso concreto para se decidir pelo melhor caminho.

Quanto ao instituto da revisão, trata-se de rotina na Administração Pública. Além das Comissões Processante existe uma ou mais Comissões Revisoras. Veja o que diz o art. 174 da Lei 8.112/1990:

Art. 174.  O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.

Somente com a apresentação de fatos novos será possível revisar o PAD. Formar-se-á um novo processo por meio de uma petição que, grosso modo, identifica o autor, indica o suposto ilícito por ele praticado e a penalidade aplicada. Na sequência apresenta os fatos novos. Simplesmente alegar injustiça não será motivo para instauração do processo de revisão.

Mas, o que são fatos novos? Podem ser apresentados a qualquer tempo e devem ser os fatos que o servidor não sabia de sua existência até o momento de sofrer a penalidade. E que tais fatos têm o poder de alterar a decisão, seja para extinguir a punição ou atenuá-la, restabelecendo-se os direitos do servidor, reintegrando ao cargo caso tenha sido demitido.

Ainda que o servidor já tenha falecido, qualquer pessoa da família pode requerer a revisão do processo, conforme prevê o art. 174, § 1o Em caso de falecimento, ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a revisão do processo.

Como se vê, tal instituto da revisão pode fazer justiça até mesmo depois do falecimento de quem foi demitido injustamente. Significa direito à pensão do cônjuge e até de filhos menores, caso a revisão prove a inocência do servidor. Ser demitido significa perder o vínculo com a Administração Pública e extinção de todos os direitos que poderiam ser transferidos para cônjuge e filhos menores.

11. Exoneração de servidor público estável

O servidor público também pode ser desligado por meio da exoneração, nomenclatura confundida por muitos como sinônimo de demissão.

Exoneração é um ato que parte da vontade do próprio servidor estatutário. Quando um servidor resolve sair do serviço público, seja porque passou em outro concurso, ou simplesmente porque optou por trabalhar na iniciativa privada, a sua saída se dá por meio de um pedido de exoneração. 

Ocorre que, quando um servidor público estatutário passa em outro concurso, não há necessidade do pedido de exoneração para assumir outro cargo. Existe um procedimento chamado “licença para cumprimento de estágio probatório”. O que significa isto? Nos três primeiros anos de exercício transcorre a última etapa do concurso denominado estágio probatório. Só após este período é que o servidor adquire estabilidade no serviço público. Ao longo deste período ele estará sob avaliação e poderá não ser aceito para o cargo, caso ele não tenha aptidão para tal. O chefe imediato fará esta avaliação e fundamentará as razões pelas quais o servidor não deve prosseguir no cargo e adquirir a estabilidade. Inassiduidade, baixa produtividade, irresponsabilidade, dentre outras características podem motivar a decisão do superior hierárquico.

Será aberto um procedimento administrativo para que o servidor possa questionar os critérios de avaliação. É uma forma de combater as perseguições funcionais ou abuso de poder do superior hierárquico.

Há quem defenda que o desvinculamento do serviço público, neste caso, seria por meio de exoneração. Ocorre que, exoneração só é possível a pedido do próprio servidor estável ou, então, a pedido ou não quando o servidor ocupa cargo comissionado.  

Ficando comprovado que o servidor não tem aptidão para o serviço público, ele será desvinculado desta última etapa do concurso e retornará ao seu antigo cargo. Por isso que é importante não pedir, de imediato, exoneração de um cargo anterior para ingressar em estágio probatório de outro cargo. A iniciativa pode até partir do próprio servidor, ou seja, ele pode não se adaptar e querer retornar ao seu antigo cargo. Na prática, quem passa em outro concurso público pede exoneração e apresenta a prova como condição para tomar posse no novo cargo. Não é incomum que nem mesmo o pessoal que trabalha com os recursos humanos saiba deste procedimento.

Há também um tipo de exoneração de servidor estável que não é a pedido. Trata-se de uma situação em que a Administração Pública demorou mais do que o tempo necessário para apurar a infração de abandono de cargo, cuja pena é a demissão. Geralmente são cinco anos que a Administração tem para demitir o servidor. Se por razões de incompetência o processo ficou parado por todo esse tempo, o seu desfecho para o desligamento do servidor deve pela via da exoneração, pois ocorreu a prescrição da punibilidade.

12. Exoneração e destituição de cargo em comissão de servidores públicos

É natural que todo governante quando ganha uma eleição queira se cercar por auxiliares de confiança, por tal razão existe os cargos em comissão, também denominados de cargos de confiança, os quais podem ser preenchidos por servidores de carreira ou de fora dos quadros do serviço público, conforme entendimento de quem assume o poder e acordos com os partidos políticos. Isto é comum inclusive em outros países. O problema do Brasil é o excesso de cargos em comissão, cuja abordagem faço mais adiante.

Mas, afinal, o que são cargos em comissão?

Os servidores públicos de livre nomeação e exoneração são os que ocupam cargos em comissão e por tal razão não precisam fazer concurso público. Basta atenderem os requisitos da lei e ter a confiança de quem o nomeia ou recebeu a indicação para ser nomeado. Quem ocupa um cargo em comissão pode, a qualquer momento, ser exonerado, até horas depois de ser nomeado. Ou pode ficar até se aposentar, o que não é tão incomum nos escalões técnicos mais baixos. O ocupante de um cargo em comissão tanto pode ser um servidor estável, quanto pode ser alguém que nunca fez parte do serviço público. Enquanto estiver no cargo ele recolhe para o INSS.

Há inúmeros cargos em comissão com especificidades técnicas preenchidos por servidores de carreira, os quais são ocupados pelo mesmo servidor por anos e anos. Por exemplo, as unidades da federação podem ter nos seus quadros cargos de “assessor jurídico” especificamente para tratar de processos administrativos disciplinares. São técnicos cujas atribuições é o exame de tais processos e posterior emissão de pareceres sugerindo simplesmente arquivamento ou aplicação de uma penalidade ao servidor, conforme a gravidade de sua conduta. Trata-se de um cargo que, por definição, exige formação em direito e atuação em um campo bem específico que lida com recursos humanos da Administração Pública. Imagine se a cada governo houvesse mudança de todo o quadro técnico de uma só vez. Mesmo mudando o gestor público por conta de pleitos eleitorais, nem sempre há interesse em trocar todos os servidores treinados para determinadas atividades sob pena de prejudicar a continuidade do serviço público. O que de fato movimenta a máquina pública são os ocupantes dos cargos de escalões mais baixos, sejam eles cargos efetivos ou em comissão.

O art. 37, inciso V da Constituição Federal estabelece condições e percentuais mínimos previstos em lei para que ocupantes de cargos em comissão de direção, chefia e assessoramento sejam ocupados por servidores de carreira. Em outros termos, a lei pode estabelecer que determinados cargos só podem ser ocupados por servidores de carreira e até restringir o campo de atuação do gestor público na escolha de quem vai ocupar o cargo. Por exemplo, a lei pode exigir que para ocupar o cargo em comissão de diretor de uma escola pública ou reitor de universidade pública necessariamente tem que ser professor efetivo de carreira da própria instituição onde ele trabalha, exigência legítima.    

Mas como funciona a distribuição dos cargos em comissão?

Existem milhares de cargos em comissão do poder executivo das esferas dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. No poder legislativo destas respectivas unidades federativas também há milhares cargos. E igualmente há tais cargos no judiciário, ministério público, defensoria pública, tribunais de contas, dentre outros órgãos.

São cargos comissionados os de assessores de vereadores, de deputados estaduais e distrital, de deputados federais e de senadores, assessores de prefeitos, de governadores, do presidente da República, dentre outras denominações de cargos distribuídos pelas casas parlamentares e poder executivo. Da mesma forma, existem os cargos de assessores de juízes, de desembargadores, de ministros dos tribunais superiores e do STF, dentre outras nomenclaturas de cargos nestes e em outros órgãos da Administração Pública, seja de qual for o poder ou unidade da federação.

Independentemente da exigência de requisitos técnicos específicos para ocupar cargos em comissão, é fato que a indicação de alguém pelo gestor público (prefeito, governador, presidente da república etc.) decorre da confiança de quem o nomeia. Quanto mais elevado o cargo, maior cuidado deve ter o gestor público na escolha. Por exemplo, cargos de Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais, são cargos de primeiro escalão e de escolha delicada. Mas, no nosso sistema político é comum o governante (de qualquer esfera) fazer composições com partidos políticos e distribuir tais cargos a fim de garantir a governabilidade.

Considerando que o sistema partidário brasileiro é composto por vários partidos, os parlamentares se distribuem difusamente. Mesmo que o governante pertença ao partido com maior número de parlamentares, não significa dizer que ele terá apoio suficiente para governar. Como os projetos de leis precisam de quórum mínimo para serem aprovados, a única alternativa ao gestor público é a distribuição de cargos em comissão. É comum a entrega de um cargo de ministro (primeiro escalão) para um determinado partido e os cargos de segundo e terceiro escalões para outros partidos. Sem estes conchavos, dificilmente um governante eleito consegue governar.

Por exemplo, quando o Presidente da República entrega o Ministério da Saúde para um determinado partido indicar o ministro da saúde, significa que este partido irá apoiar o governo nos projetos. Abaixo do cargo de ministro da saúde existe uma enorme quantidade de cargos distribuídos pelos Estados da Federação. É de interesse dos partidos participarem do governo em ministérios importantes porque farão indicações para os diversos cargos comissionados atrelados ao ministério.

A mesma lógica é válida para os Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como para as autarquias, fundações públicas, empresas públicas, ou seja, esses cargos estão disponíveis em grandes quantidades tanto na administração direta, quanto na indireta.

Ser exonerado de um cargo comissionado não significa punição, é da própria natureza do cargo que atribui a quem nomeou a capacidade de exonerar a qualquer momento, independentemente das razões. Não raro as razões podem ser a perda de confiança ou uma nova composição no governo para agradar políticos influentes que trocam apoio por cargos. Não necessariamente para um determinado político ocupar um dos cargos, mas para ele indicar os ocupantes dos cargos oferecidos.

Cargos relevantes como de Ministros de Estado (União) e Secretários de Estado (RJ, SP, MG, RS etc.) podem ser ocupados por pessoas com formação alheia à área a ser gerenciada. Por exemplo, para ser Ministro da Saúde, não é necessário que o gestor seja médico. Para ser Ministro da Fazenda, também não se faz necessário a formação em economia e assim por diante. O que está em jogo nesta composição de primeiro escalão, a priori, não é a formação específica do gestor, mas a sua capacidade de gerenciar uma máquina administrativa complexa, ter interlocução política e propor projetos de interesse da sociedade. Todo primeiro escalão de governo tem um rol de cargos em comissão, de segundo e terceiro escalões, para serem preenchidos por técnicos com formação específica, cargos que podem ser ocupados inclusive por servidores de carreira ou não, conforme entendimento e confiança de quem nomeia.

A tendência atual é que a lei aperfeiçoe os critérios de preenchimento desses cargos, correlacionando a formação do indivíduo com as atribuições dos cargos. De todo modo, se a lei não abarca todos os casos, o que se deve esperar dos gestores eleitos é priorizar as escolhas compatibilizando formação com atribuições exigidas para o cargo.

É comum pessoas sem qualificação técnica (porque a lei não exige) ocuparem cargos cujas funções são irrelevantes. Servem apenas para os políticos indicarem seus cabos eleitorais que se encarregam de manter as bases eleitorais dos seus “padrinhos políticos”. São milhares de cargos espalhados em todos os poderes e órgãos públicos da administração direta e indireta. Uma grande parte deveria ser extinta, mas a resistência dos políticos é muito grande, pois cada qual quer colocar seus correligionários e terem apoio nas suas reeleições.

Deveria existir um pequeno grupo de cargos em comissão reservados somente para os escalões mais elevados e os cargos com técnicas específicas deveriam ser preenchidos pela via do concurso público. Seria uma forma de diminuir as barganhas políticas que transformam os cargos públicos em “moeda” para comprar apoio político.

Considerando que servidor público que ocupa cargo em comissão não é estável, estaria ele sujeito às mesmas penalidades de um servidor estável? Sim. Nada impede que um ocupante de cargo em comissão seja alvo de um PAD. Neste caso, a penalidade não seria a demissão, mas sim a destituição de cargo em comissão (artigos 136 e 137 da Lei 8.112/1990). Qual a o efeito jurídico de tal medida? Impedi-lo que ele seja nomeado para qualquer cargo federal, de natureza estável ou em comissão, pelos próximos cinco anos ou, impedir o seu retorno ao serviço público federal, conforme a gravidade de sua penalidade.

O servidor de cargo em comissão está sujeito às mesmas regras que um servidor estável. Mas a regra geral é a simples exoneração do servidor quando ele pratica alguma infração administrativa. E como já foi dito, exoneração não é punição. Na prática, é mais econômico o gestor público simplesmente exonerá-lo do que movimentar a máquina administrativa e instaurar um PAD para puni-lo com a destituição de cargo em comissão. Se o então servidor praticou algum ato de improbidade administrativa ou algum ilícito penal, existem os canais judiciários para apurar e puni-lo.

13. Conclusão

Sem querer esgotar o complexo tema que trata da Demissão e Exoneração de Servidores Públicos, dentre outros assuntos correlatos, tentei passar uma visão genérica sobre o controle administrativo no âmbito disciplinar que o Poder Público faz em relação aos seus recursos humanos. Sempre que uma autoridade toma conhecimento de fatos que mereçam alguma investigação, cabe-lhe, por dever de ofício, instaurar uma sindicância e posteriormente um processo administrativo disciplinar. Pode, entretanto dispensar a sindicância caso não seja necessária para se iniciar os trabalhos investigatórios.

Explorei os diversos aspectos de um PAD, demostrando que o mesmo está fortemente atrelado ao princípio do devido processo legal, o que não poderia ser diferente se vivemos num Estado Democrático de Direito. O instituto da estabilidade e o regramento legal que condiciona cada ato à existência de uma lei, é a garantia de que o servidor público não está sujeito dos sabores da política do momento. Portanto, ele pode “desobedecer” ordem de seu superior hierárquico se tal ordem for ilegal.

A rigor, o chefe de um servidor público não é seu superior hierárquico, mas sim a Lei.

 

Bibliografia

ARAÚJO, Edmir Netto. O Ilícito Administrativo e seu Processo. São Paulo, SP: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.

Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848 de 07/12/1940 

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

Decreto 2479 de 08/03/1979 – Estatuto do Servidor Público do Estado do Rio de Janeiro.

Lei 8.112 de 11/12/1990 – Estatuto do Servidor Público Federal.

Lei 9.962 /2000 – Regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional.

Lei 8.429 de 02/06/1992 – Improbidade Administrativa. 

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